20 de mar. de 2012

Literatura e Doutrina Religiosa - Código de Umbanda





Código de Umbanda


Doutrina e Ritual de Umbanda

Livro 1

Sobre a necessidade de formação de uma consciência religiosa de natureza umbandista, e sobre polos dos procedimentos e das práticas rituais de Umbanda.













quinto Capítulo



Literatura e Doutrina Religiosa




Todas as religiões têm escolas de evangelização e doutrinação de crianças. Nestas escolas busca-se passar conceitos religiosos e doutrinários para a vida civil dos fiéis, que os encontrarão novamente em suas leituras diárias, pois estes conceitos e doutrinas saem dos templos e passam a fazer parte do dia a dia das pessoas.

Mas e a Umbanda, já tem isto para assumir seu espaço na sociedade brasileira?

É claro que não, principalmente porque lhe falta uma literatura só sua, que espelhe seus conceitos filosóficos modeladores do caráter dos seus praticantes. Também lhe falta um código doutrinário no qual se fundamente toda sua religiosidade. Por isso, estamos lutando por uma literatura tipicamente umbandista, em que os seus conceitos sejam fixados e passados à sociedade de forma compreensível. Mas os obstáculos são vários e alguns de tal monta que os vemos como intransponíveis.

Um desses obstáculos é a falta de consciência umbandista. Ela é, talvez, o maior obstáculo a ser superado pelos dirigentes do culto caso queiram retirar a Umbanda do gueto religioso em que ela ainda se encontra e alça-la a condição de modeladora da sociedade brasileira e sustentáculo de uma consciência religiosa pontificada nos templos de Umbanda: o universalismo.

Sim, porque o universalismo é a tônica dos trabalhos realizados nos templos de Umbanda, onde não se admite racismo de espécie alguma e não se pergunta qual é a religião das pessoas que regularmente vão tomar passes e consultar os guias espirituais.

Só que esta realidade interna da nossa religião nãoé passada para a sociedade e por isto o espaço natural ocupado pela Umbanda na vida dos seus fiéis e simpatizantes não é refletido na sociedade, que marginaliza os menos aptos na transmissão de suas doutrinas, sejam elas de que natureza forem.

Nós sabemos que o número de médiuns e o número de pessoas que afluem aos templos de Umbanda nos dias de culto é elevado. Mas se podemos estima-lo em um quinto da população, no entanto, quando observamos o espaço da Umbanda na mídia, uma sensação de impotência nos assoma, pois é nulo... Isso quando não é negativo, porque é patrocinado por pessoas movidas por interesses escusos ou por adversários religiosos mercantilistas.

Então, perguntamo-nos: Por que uma religião com tantos praticantes e com tantos frequentadores de seus cultos está relegada ao ostracismo na mídia? Será que é por causa do nosso comodismo, do nosso desinteresse em mostrar nosso trabalho em prol das pessoas que nos procuram, ou será pela falta de uma consciência religiosa e de uma conscientização acerca do papel fundamental que temos na vida das pessoas que frequentam nossos templos?

Às vezes, assistindo a reuniões nas quais deveriam ser discutidos os rumos de nossa religião, deparamos com a autopromoção e a exposição de egos que desejam ser acariciados, bajulados e paparicados. E ainda não ouvimos uma só voz que chame para si a missão de despertar a consciência umbandista e de assumir corajosamente a condução da grande massa umbandista ao seu verdadeiro lugar dentro da sociedade brasileira.

Já é hora de despertarmos e olharmos para horizontes mais amplos se quisermos dar à Umbanda, enquanto religião de massas, uma respeitabilidade que ela só alcançará se levarmos à sociedade sua grandeza como religião espiritualizadora e modeladora de um caráter universal, que é a tônica que a tem sustentado neste seu primeiro século de existência.

Nossa religião é a única que lida com os mistérios divinos de forma aberta, e , no entanto, a sociedade a vê como sinônimo de magia barata ou mesmo de magia negra. E são tão poucas as vozes que se levantam para refutar este conceito errôneo que até são inaudíveis.

Rechaçá-las nas reuniões fechadas não adianta, porque estamos falando para nós mesmos. Então, o caminho é conquistarmos nosso espaço e levarmos nossa mensagem universalista à sociedade. Só assim alteraremos alguns conceitos preestabelecidos contra a religião de Umbanda e desfaremos alguns mitos que denigrem as práticas da mesma.
Nós sabemos que associam a esquerda ao demônio cristão com o único intuito de denegrir a Umbanda. Mas quem levantou sua voz para desfazer o mal-estar que o termo Exu desperta nas pessoas que não conhecem este mistério da Lei Maior?

Foram poucos, não?

Pouquíssimos – respondemos nós.

Afinal, são são poucos os próprios umbandistas que desconhecem este mistério e também temem justamente porque pessoas aptas a desmistifica-lo são raras. A maioria só o mistifica ainda mais, pois vê nele um recurso para se impor dentro do seu meio, quando, por intermédio do poder manifestado pelo seu guardião cósmico, sente-se possuidora de uma força superior à de seus semelhantes. Outros usam do poder de suas entidades para obterem reconhecimento pessoal, etc.

Mas a grande maioria silenciosa atende aos objetivos da Umbanda e não vê nas suas esquerdas senão um recurso da Lei Maior colocado à disposição dos frequentadores dos templos de Umbanda.

Porém, não podemos esquecer que é pelo elo mais fraco de uma corrente que se avalia sua capacidade de resistência. E justamente a esquerda é o elo mais fraco da Umbanda, pois seus detratores recorrem ao desconhecido Exu para associar o culto de Umbanda com práticas de magia negra.

Nós temos assistido à encenações dantescas pela televisão, nas quais charlatões mistificam um dos mistérios da Umbanda, que é Exu, e usam estas mistificações exatamente contra nossa religião, com o único intuito de denegrir nossos trabalhos espirituais e nossa religiosidade.

Por que esses charlatões obtêm tanto sucesso e se acham no direito de denegrir nossa religião? Porque falta unidade entre os umbandistas. Justamente porque lhes falta uma consciência religiosa coletiva e direcionada para um só objetivo. Esse objetivo só será alcançado quando surgir uma língua comum a todos os dirigentes de Umbanda, o que só ocorrerá se uma literatura tipicamente umbandista conquistar seu espaço tanto entre os umbandistas quanto na sociedade.

Saibam que a literatura tem o dom de disseminar o conhecimento de uma forma sutil e esclarecedora. No caso da Umbanda, esta literatura deve atender as diretrizes impostas pelos mentores da religião, visando a caracterizá-la como genuína literatura umbandista. E apoiar-se no universo magístico da Umbanda; seus personagens devem guardar relação com os personagens que se manifestam nos trabalhos práticos realizados dentro dos templos de Umbanda. Com isso, desmistificando o mistério “Exu” e dando a ele uma nova interpretação, já dentro de um universo habitado por espíritos humanos, veremos que este universo não é o mesmo que os adversários da Umbanda reservaram para Exu. Devemos fazer o possível para descaracterizá-lo como o campo de ação da Umbanda.

Se digo que devemos fazer o possível, é porque é justamente na própria Umbanda que temos encontrado a maior dificuldade em disseminar uma literatura de Umbanda consequente com o intuito de criar uma consciência coletiva de Umbanda, fundamentada em um universo pelo qual transitam nossos Orixás e nossos guias de direita e esquerda.

O umbandista ainda não descobriu a força que uma literatura traz em si mesma e desconhece o poder que as letras têm como modeladoras e disseminadoras dos conhecimentos que os mentores espirituais gostariam de ver divulgados na forma mais fácil de ser assimilados: em livros. Sim, porque um livro fala a muitos ao mesmo tempo e leva toda uma mensagem, facilitando o trabalho aos dirigentes responsáveis pela doutrinação de médiuns.

Os nossos irmãos espíritas têm recorrido, com sucesso, à literatura espírita kardecista. Durante seus cursos de doutrinação, recomendam as leituras e o estudo das mensagens que trazem. Esperamos que o mesmo aconteça na Umbanda, abrindo ao público o universo mágico e religioso que se manifesta nos templos espalhados por todo o Brasil. Só assim, daqui a algumas décadas, a Umbanda, falará uma só língua, pois terá uma linguagem literária só sua que a distinguirá entre tantas outras já estabelecidas na consciência literária da sociedade civil brasileira.

Só o tempo fará surgir uma consciência religiosa coletiva dentro da Umbanda, que será sua voz forte e audível na consciência da sociedade civil, avessa às vozes das consciências religiosas.

Pedimos compreensão e também que reflitam um pouco a respeito do que aqui está sendo comentado, e talvez percebam por que todas as outrs religiões primeiro apossam-se dos meios de comunicação, para só depois começarem a disseminar, coletivamente, suas mensagens e sua pregações doutrinárias.

Talvez descubram que, se um doutrinador pode ensinar aos seus filhos de Santo uma literatura de Umbanda, pode ensinar a toda uma sociedade, porque fala a todos em geral, sempre por meio da mente de quem apreender suas mensagens.

Perguntem-se por que poderosos grupos econômicos, sustentados por associações religiosas, estão tão interessados em abocanhar os meios de comunicação, e talvez descubram o porquê de a Umbanda não ter acesso à mídia e de não ter uma voz só sua a falar de seu universalismo para a sociedade brasileira, denegrindo nossa religião.

Reverter este quadro depende de os senhores dirigentes dos templos de Umbanda conscientizarem-se de que uma literatura umbandista é mais um recurso à disposição deles para melhor desenvolverem suas doutrinas religiosas.

Afinal, não são poucos os dirigentes que se julgam autossuficientes nos conhecimentos de Umbanda e não só não recomendam a leitura aos seus filhos, como muitos nem admitem que se leia algum livro, porque acham que esse procedimento irá atrapalhar o médium em seu desenvolvimento mediúnico.

Mas estão enganados ao pensar assim e não percebem que uma religião precisa do auxílio de uma literatura para perpetuar-se no tempo, no coração e na mente de seus adeptos e fiéis.

Estes dirigentes, por serem portadores de dons naturais, acham que só isso sustentará a Umbanda enquanto religião. Mas se esquecem de que dons são intransferíveis, enquanto os conhecimentos de uma religião são a certeza de sua continuidade.

Afinal, não são poucos os casos de pais e mães no Santo que manifestavam dons maravilhosos e atraíam multidões aos seus templos, onde atendiam centenas de pessoas em uma só sessão de trabalhos. Mas quando desencarnaram também cessaram os trabalhos, e tudo desapareceu.

Sabem por que isso aconteceu e continuará a acontecer?

Porque estas pessoas só se preocupavam com os fenômenos que seus dons produziam e perderam uma ótima oportunidade de criar toda uma religiosidade de Umbanda na mente e no coração das pessoas que as procuravam quando precisavam de auxílio dos dons que elas manifestavam... e achavam que a religião é isto: frequentar um templo só quando se está com problemas.

Até quando esta mentalidade predominará dentro da Umbanda? Até quando os dirigentes de Umbanda só se preocuparão em curar os doentes? Quando será que entenderão que os fenômenos de cura são comuns a todas as religiões, pois os mistérios espirituais não pertencem a esta ou àquela religião em especial, e sacerdotes portadores de dons surgem em todas elas?

Até quando a Umbanda só valorizará os fenômenos mediúnicos e relegará ao segundo plano sua missão evangelizadora e formadora de uma moral, um caráter e uma consciência religiosa que espelhe os valores espirituais que a têm sustentado e que a eternizarão no tempo como uma religião de fato?

Muitos dirigentes dizem que não precisam dos livros porque conhecem muito mais do que quem os escreve. Mas eles se esquecem de que o que aprenderam desaparecerá assim que eles desencarnarem, mas um livro, este permanecerá e será objeto de estudo para as gerações futuras.

Os livros canônicos das outras religiões são a prova do que estamos defendendo aqui. São os modeladores da consciência religiosa de seus adeptos e fiéis, assim como ajudam seus sacerdotes a falar uma mesma língua ao longo dos tempos, porque todos pregam a mesma coisa o tempo todo.

A Umbanda possui uma escola teórica que defenda uma doutrina só sua?

Não! – respondemos nós.

E isso acontece porque muitos dirigentes decoraram as lendas a respeito dos Orixás e julgam que isso é suficiente para a religião de Umbanda.

Mas não é, irmãos!

As práticas de Umbanda pertencem à espiritualidade porque, sem o concurso dos guias espirituais, elas não se realizam, e os fenômenos não acontecem. Já os conhecimentos religiosos de uma doutrina umbandista, se são teóricos, no entanto sustentarão, na fé aos Orixás, todas as pessoas que se identificam tanto com as práticas e com a religião de Umbanda.

Só que esse lado teórico que dará sustentação à religião umbandista está relegado a segundo plano ou não atrai dirigentes de Umbanda, que só se preocupam em cumprir sua missão e esquecem-se de que uma religião de verdade não se descuida de seu caráter doutrinário, porque só assim se perpetuará no coração e na mente das pessoas.

Observem isto: as pessoas só vão aos médicos ou aos hospitais quando estão doentes. Mas, assim que se curam, esquecem-se dos médicos que o atenderam e esperam não ter de voltar, nunca mais, aos hospitais. E isso costuma acontecer com as pessoas que frequentam os templos de Umbanda, sabem?

Mas isto só acontece porque à Umbanda ainda falta uma consciência religiosa que olhe a pessoa que procura seus templos como um ser humano que precisa de amparo maior, que só será conseguido se despertar nele a mesma fé em Deus e o amor aos Orixás que sustenta o médium que o atende com amor, respeito e dedicação.

Saibam que os médiuns nõ são os curadores de fato: são só de direito e nada mais. Quem cura os doentes são os espíritos ou os Orixás que se manifestam durante os trabalhos e que gostariam de ver aquelas pessoas, curadas por eles, retornando aos templos e professando uma religiosidade equilibrada e continuada.

Muitos dirigentes de Umbanda até dizem às pessoas que os procuram: “Você não tem mais nada. Logo, não tem por que voltar. Só volte quando sentir necessidade!” Isto eu mesmo já ouvi, irmãos. Portanto, não estou falando por falar, e sim porque sei que assim ocorre.

A esses dirigentes falta a consciência religiosa que só uma formação teórica, e de nível superior, irá proporcionar, tornando-os, realmente, sacerdotes de sua religião. Essa consciência os estimulará a transformar os templos que dirigem em um ponto de encontro, confluência e apoio religioso às pessoas os procuram quando estão doentes, que gostariam de continuar a frequentá-los porque confiam nos guias que ali se manifestam e na forma como ali a religiosidade é professada.

Mas não é isso que nós vemos acontecer, pois, assim que as pessoas são curadas, passam a ser vistas como “dispensáveis” pelos médiuns, que dizem: “Fulano já não possui mais nada, mas insiste em vir consultar os guias!”

Isso é consciência religiosa ou religiosidade, senhores?

Não – respondemos nós.

Sim, porque nas outras religiões, quando alguém se achega, logo recebe uma gama de sugestões para que fique em seus templos, já que possuem valores religiosos, que logo são passados ao novo fiel, o qual por sua vez logo os estará manifestando no dia a dia.

Mas na Umbanda isso não acontece porque grande parte dos seus dirigentes não é manifestadora de religiosidade. São apenas curadores. Não se preocupam com nada além de dar socorro imediato a quem os procura, esquecendo-se de que também devem dar amparo a longo prazo, que é a doutrinação e o despertar de uma consciência religiosa em quem gosta de frequentar seu templo de Umbanda.

Esta é a diretriz que deve ser imprimida a uma literatura tipicamente umbandista, na qual toda uma religiosidade, consciente, perpetuar-se-á ao tempo e dará sustentação à fé que os guias espirituais despertaram nas pessoas desesperançadas que os procuram para serem orientadas.

Temos a esperança de um dia vermos as pessoas procurando instruir-se por meio de genuínos livros doutrinários de Umbanda, depois de serem atendidas por médiuns conscientes d beleza espiritual da religião que abraçaram com fé, amor e confiança.

Pelo a todos que não se sintam ofendidos se algumas das minhas colocações são críticas. Desculpem-me se sou direto e vou logo tocando nas deficiências de nossa maravilhosa religião, mas em mim esta consciência religiosa já despertou e tenho tentado despertá-la em outros, ainda que muitos dirigentes, por serem mais velhos, julguem-se donos da Umbanda e não aceitem a renovação dos conceitos religiosos comuns a todos os umbandistas. Afinal, se maturidade é sinônimo de sabedoria, idade nem sempre é sinônimo de sapiência. E digo isso porque tenho visto nos jovens umbandistas uma vontade muito grande de aprender, enquanto nos velhos umbandistas tenho visto um certo cansaço, de tantas perguntas que já responderam.

Logo, recomendo aos mais velhos e maduros, já cansados de ensinar individualmente, que indiquem aos jovens curiosos a leitura de livros umbandistas, pois os conhecimentos práticos, estes só mesmo os verdadeiros dirigentes espirituais dos templos de Umbanda estão aptos a transmitir. Mas uma boa prática não dispensa uma boa teoria, que só os livros podem fornecer, pois são escritos justamente com objetivo de fornecer a base teórica dos trabalhos práticos realizados nos templos de Umbanda. 

Código de Umbanda - Rubens Saraceni
Livro 1
Capítulo 5

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