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18 de ago. de 2011

Ação de um Guardião transformador e descrição de obsessões e carmas adquiridos - Parte 3 - O Resgate

(Retirado do livro “Diálogos com um Executor” de Rubens Saraceni)
(Continuação de  Parte 2 - A Colheita)

Ação de um Guardião transformador e descrição de obsessões e carmas adquiridos

Parte 3 - O Resgate



E o homem à minha frente sumiu. O silêncio tomou conta do abismo e o pranto começou a surgir em muitos pontos. Pouco a pouco estávamos, todos nós, chorando. Por incrível que possa parecer, as suas palavras foram ouvidas por todos os condenados do abismo. Como isto aconteceu, não sei, mas imagino que era a Lei agindo através dele, para nos tornar cientes de que à prova final havia começado.
E ela veio quando nós menos esperávamos. Como por encanto, surgiram as cobras negras, e a provocação se iniciou. Todos os argumentos foram utilizados, e quando eles falhavam vinha o castigo. Muitos sucumbiram neste momento e sumiram do abismo. Nunca mais os vi, com muitos eu já havia me familiarizado.
Fomos castigados pelo veneno dolorido daquelas cobras; a loucura e o pânico se instalaram em nosso meio. Quanto tempo durou, eu não sei, pois como já disse, lá não havia dia ou noite.
Mas certo dia, ou noite, alguém surgiu no abismo, e as cobras negras sumiram como que por encanto.
Eu não podia ver quase nada porque estava quase cego, mas vi uma luz azul muito intensa que se irradiava do ser luminoso que acabara de chegar. Pouco a pouco, os gritos foram cessando e somente os gemidos de dor se faziam ouvir. O tempo passava e nada se alterava: o ser iluminado não saia do seu lugar.
Hoje eu sei! Aquela entidade muito luminosa estava velando por nós enquanto Deus não enviava o socorro final: o alívio protetor Ele já nos havia enviado.
Então veio o momento do resgate libertador.
Um grupo enorme de espíritos luminosos chegou ao nosso abismo e começou a cuidar de seus habitantes. Eu fiquei observando a movimentação, e de meus olhos quase cegos lágrimas jorravam. Eu sabia que Deus ouvira nossos pedidos de perdão e socorro. Ele, e só Ele, que era o único que nos restara, ouvira nossos clamores e nos enviava o Seu bendito socorro.
Vi como eles se movimentavam no meio de tantos espíritos reduzidos a farrapos retorcidos, e os consolavam, aplicando bálsamos em suas chagas. Pouco a pouco os gemidos foram cessando. Em dado instante, o tal Sete Guizos veio para perto de mim e falou:
- Como vai, executor? .
- Pior que da última vez, Sete Guizos.
- Eu não penso assim. Você suportou sua prova final e agora, é tudo uma questão de tempo, o grupo logo chegará aqui.
- Quem são os amigos que vêm nos auxiliar?
- São socorristas que atuam a partir da crosta terrestre.
- Para onde nos levarão?
- Só eles sabem. Mas acho que é melhor do que ficar neste abismo.
Ainda ficamos conversando por um longo tempo, até que ele foi chamado.
- Até a vista, executor! É hora de levarmos aqueles que já receberam os primeiros socorros. Voltaremos amanhã à noite.
- Como assim?
- Somente poderemos voltar para buscar outros ao anoitecer.
- Está certo, amigo.
Eles se foram, e nós, uma multidão, ficamos gemendo de dor e ansiedade pelo socorro.
Como foi longa a espera pelo retomo dos socorristas, mas eles voltaram e reiniciaram os trabalhos de resgate. Pouco a pouco estavam se aproximando de nós. À medida que vinham para mais perto, maior era a ansiedade.
Quando eu consegui vê-los perfeitamente, assustei-me. Vi entre eles justamente aquele que eu jurara arrancar da carne e fazê-lo meu escravo.
Sim, meu amigo. Era você mesmo quem estava no meio deles. Vi vários dos que o protegiam à direita. Eu os conhecia dos tempos em que vigiava seus passos à espera de uma chance para executá-lo. Vi os lanceiros vestidos com suas couraças. Vi as mulheres de branco, os índios e os negros.
Eu via a movimentação incessante de todos, mas a que mais me incomodava era a sua, porque eu temia ser visto por você. Temia que se me visse, viesse a me denunciar, e que me deixassem abandonado ali para sempre.
Pouco a pouco chegaram até nós, e eu vi como um dê seus protetores usava de sua energia vibratória para energizar aos mais atingidos pelo castigo Ele incorporava em você e ia tocando o mental daqueles que estavam caídos à sua frente. De imediato, o atingido por aquela descarga energética luminosa se acalmava e parava de gemer de dor.
Isto continuou até que chegassem bem próximos a nós. Mas alguém avisou:
- Por esta noite chega, senão o esgotaremos totalmente.
- Esta certo! Amanhã voltaremos e levaremos os restantes.
Mais uma vez eu fiquei chorando de dor, medo e vergonha. Dor pelos castigos sofridos, medo de ser reconhecido e ser, abandonado ali, e finalmente vergonha porque eram os mesmos que nós havíamos prejudicado que vinham nos resgatar.
Deus, numa prova inconteste do Seu poder, nos fazia ver que aquele que nós mais odiamos é quem se irá se dignar a nos estender sua mão, caso deixemos de odiá-lo.
Nova espera angustiante até o retorno do grupo socorrista. Mas eles voltaram, e nós, num arremedo de sorriso, nos alegramos com sua chegada.


FIM

Ação de um Guardião transformador e descrição de obsessões e carmas adquiridos - Parte 2 - A Colheita

(Retirado do livro “Diálogos com um Executor” de Rubens Saraceni)
(Continuação de  Parte 1 - A Lei se Confirma)

Ação de um Guardião transformador e descrição de obsessões e carmas adquiridos




Parte 2 - A Colheita


Os dias se passaram. Talvez fosse melhor dizer "o tempo passava", pois dias como aqui você, conhece lá não existem. O tempo passava, e de vez em quando um rastejante vinha nos ver. Ficava um longo tempo nos vigiando, e depois se afastava. Isto se c repetiu muitas vezes, sem nos incomodar uma vez sequer.
Eu reuni à minha volta meu grupo familiar, e um procurava auxiliar o outro. Foi um tempo de muito desespero pois de vez em quando entravam alguns seres horríveis e levavam alguns daqueles infelizes que, como nós, estavam reduzidos a nada. Eles saiam gargalhando e os escolhidos chorando, porque eram conduzidos sob correntes e chicotadas, caso não obedecessem.
Foram tempos de angústia, aflição, dor e compaixão.
Compaixão pelos que, como cordeiros conduzidos ao matadouro, nada podiam fazer.
Não sei o que se passava na mente dos outros, mas a mim causava muita pena ver como sofríamos e como éramos tratados sem a menor delicadeza. A brutalidade era regra ali, e eu, que um tempo brutalizava minhas vítimas, agora via como era terrível ouvir os gritos de medo e dor, ver, o castigo implacável ser aplicado contra quem nada podia fazer, e ter que se calar porque senão seria muito pior para todos.
Eu vi espíritos humanos já degradados ao extremo e em franca regressão para formas animalescas virem vampirizar as últimas energias dos infelizes prisioneiros do abismo. Mal tínhamos energias para rastejar e suportar nossa pena, e ainda assim vinham nos vampirizar numa ordem oposta à da Luz.
Sim, na Luz o de cima doa sua luz ao de baixo para vê-lo elevar-se. Mas nas Trevas, o de baixo tira o que restar de força vibratória do de cima para alimentar-se e vê-lo cair ainda mais.
São os opostos, e nós estávamos no lado escuro do mundo invisível.
Para ali vinham aqueles que tinham contas negras a ajustar e saciavam sua sede de vingança milenar. Vinham alguns que eu julgava serem sádicos desequilibrados, que torturavam unicamente pelo prazer de ouvir gritos de dor, contorções e espasmos dos torturados.

Sim, ninguém colhe o que não plantou. Mas aquilo que semeou, colhe até o último grão

Então, eu ouvi um som que arrepiou-me por inteiro Ainda dei um grito de horror.
As cascavéis!
Centenas delas invadiam o abismo que habitávamos. Chacoalhavam seus guizos infernais, e nos deixavam horrorizados.
E aquela voz que eu tanto temia, se fez ouvir:
- Como vai, chefe? Ainda restou algo para mim, do outrora tão frio e cruel executor? Sabia que o guardião transformador entregou este vale para mim? Agora tudo isto é meu, executor!
Este abismo é todo meu a partir de agora, e vou ver como faço para esvaziá-lo O guardião chefe quer vê-lo vazio porque existem alguns milhares de caídos à espera de um lugar para iniciarem suas transformações.
- Que transformação, réptil?
- Em algo melhor ou pior do que eram antes de serem postos sob sua guarda.
- Como alguém pode melhorar neste inferno, réptil?
- Você teria coragem de executar mais alguém?
- Não. Hoje eu me arrependo de ter feito tal coisa.
- Você teria coragem de interferir no carma de mais alguém, e só piorá-lo?
- Não. Estou pagando o preço por ter ousado fazê-lo com minha filha.
- Então você já melhorou, chefe. Ainda não tem noção de tudo o que lhe ocorreu, mas já se transformou. Até me pediu para executá-lo! Você, que era um executor, teve a coragem de pedir a uma cascavel que lhe cravasse as presas para que parasse de sofrer.
Neste ponto está a sua transformação para pior, porque se não pode tirar a vida de ninguém, então não pode tirar ou pedir que tirem a sua, senão estará, afrontando a Lei da Vida. Entendeu chefe?
- Sim réptil. A única maneira é suportarmos nosso tormento calados.
- Também estará indo para pior, porque o momento é de olhar para o alto, e não de se voltar para a auto flagelação.
- Quem é você para falar em Deus?
- Eu sou alguém que caiu e teve quem o acolhesse enquanto ainda era tempo. Hoje eu sou o que sou, mas sei porque sou assim e o que devo fazer para não cair mais. Sei também o que devo fazer para saldar um pouco dos meus débitos.
- Quem o ajudou, réptil?
- Em princípio foi um espírito humano igual a todos nós, mas com uma diferença fundamental: ele era, e ainda é, um instrumento de Deus e de sua Lei Transformadora.
- Chame-o para ajudar-nos, amigo Sete Guizos.
- Não posso, executor.
- Por que não?
- Ele é o mesmo que você, sua filha e a sua amiga feiticeira tentaram arrancar da carne.
-Não!!!
- É isto mesmo, chefe. Ele o ajudou muito enquanto estava no mundo dos espíritos, mas agora está na carne e nada poderá fazer por você.
- Como posso obter ajuda, meu amigo?
- Ore a Deus, e talvez alguém ligado a você em sua última, ou numa outra encarnação venha socorrê-lo sob o amparo da Lei.
- Só restaram minha filha Eliana e meus pais. Amigos, tive apenas aqueles que de mim se aproveitaram enquanto tive dinheiro.
- Então você está mal, chefe. Sua filha está num local para onde são levados os espíritos de crianças que não têm pais, e quanto aos seus pais, bem, eles já reencarnaram e muito menos podem fazer por você, pois ainda são crianças.
- Meu Deus! - exclamei chorando - Não tenho a quem recorrer.
- Como não chefe? Acaba de pronunciar o nome d’Ele em desespero
- Tem razão, amigo cascavel. Só me resta Deus.
- A todos os habitantes deste lugar, só resta Deus, ou a perdição total.
- Como assim?
- Somente dois seres imortais, invisíveis, onipotentes e oniscientes que vivem no interior de todo espírito humano podem ouvir aos que chegaram onde vocês chegaram.
- Você diz haver dois?
- É isto mesmo, chefe. Em seu ser imortal vivem em equilíbrio o poder de fazer o bem, e o poder de fazer o mal não é verdade?
- Sim.
- E tem o poder de construir ou destruir, de abençoar ou amaldiçoar, etc., não é mesmo?
- Sim.
- Então, vive em seu mental o poder de se fazer ouvir por Deus, nas suas ações nobres, e também pelo senhor das Trevas, em suas ações más, não é mesmo?
- Sim.
- Então clame a um dos dois, e sairá deste abismo mais dias, menos dias.
- O que devo fazer, Sete Guizos? A quem eu clamo para ser ouvido rapidamente?
- Sou um péssimo conselheiro, executor! Lembra-se dos dois homens que velavam por sua filha Priscila?
- Sim, mas muito vagamente.
- Pois eu sou um deles, executor.
E a cascavel voltou à sua forma humana, e eu vi um dos dois homens que tentavam protegê-la e guiá-la. Então eu lhe perguntei:
- Quem era o outro?
- O meu companheiro Sete Presas.
Ele chamou o seu companheiro que conversava com a feiticeira, e então vi os dois que tentaram me dissuadir de interferir no carma de minha filha.
- É isto, chefe! Nós tentávamos fazer o nosso trabalho como nos havia sido ordenado pelo nosso chefe na Luz, mas você se deixou levar pelo que habita o lado negro do seu mental. Azar o seu, não?
- Sim meu amigo, muito azar.
- Ou será ignorância?
- Também.
- Não terá sido por maldade, insensibilidade ou ciúmes, chefe?
- Certamente que sim, Sete Guizos.
- Então clame a um dos dois, chefe. Lembre-se que quando você clamou pelo das Trevas o auxílio veio rapidamente, não é mesmo?
- Isto é verdade, mas eu só piorei a situação para todos nós.
- Pois é isso, chefe. Clame ao da Luz e certamente irá se clarear, assim como tudo à sua volta. Se clamares ao das Trevas, logo tudo se escurecerá.
- Eu escureci, e por isto estou sofrendo tanto, e não aliviei o sofrimento de ninguém.
- Agora já sabe, chefe. Você é livre para escolher: se quiser clame ao seu lado escuro, e logo sairá deste abismo.
- Mas apenas iniciarei uma nova queda.
- Isso é um problema, não?
- Como assim?
- É mais fácil descer que subir. Se quiser subir, terá que apanhar pedra por pedra e construir a torre que o elevará desse abismo negro em que se lançou pela vivenciação dos vícios das Trevas. Terá que erguê-la até uma altura onde exista a verdadeira claridade da razão e do saber.
- Você conhece os mistérios sagrados, Sete Guizos. Como pode saber tanto, se ainda é um réptil?
- Nem todos que você vê na forma de uma cobra são o que aparentam ser. Usam esta aparência pois assim podem rastejar até os mais profundos abismos e recolher as pedras de suas torres, que os elevarão até a claridade da verdadeira luz da verdade.
Eu, como uma cascavel, posso rastejar por todos os abismos das trevas da ignorância e recolher aqueles que, de uma forma ou de outra, ajudei a cair. Umas vezes por omissão, outras por ciúmes, ódio, inveja, falsidade, paixão, etc., etc., etc.
Só assim poderei reconstruir a minha torre, e espero um dia poder transformá-Ia num farol que ilumine o caminho dos que queiram seguir-me, elevando, assim, suas torres à minha volta.
- Quem foi o mestre que o instruiu, amigo Sete Guizos?
- Já lhe disse. Foi aquele que vocês tentaram arrancar da carne.
- E pensar que eu tentei destruir a quem tanto tentou ajudar-me a alcançar a luz da verdade.
- Não foi só você, chefe. Todos os que estão neste abismo tentaram a mesma coisa.
-Como?!!
- Isto mesmo, chefe. Todos os que estão aqui esquecidos tentaram fazer o mesmo, e caíram um pouco mais.
- Por que tantos não conseguiram derrubá-lo?
- Você pode subjugar uma Lei Divina?
- Não Agora eu sei que ela se faz por si mesma, e ampara a quem tem que ser amparado, assim como verga a quem se faz por merecer tal ação por parte dela.
- É isto, chefe! Ninguém poderá derrubá-lo senão ele mesmo
Ele é seu juiz e seu algoz. Enquanto agir na luz da razão, nada o destruirá, mas no dia em que afrontar a Lei, ele mesmo se destruirá.
Assim é a Lei! Assim sempre será, como sempre tem sido.
- Compreendo
- Não fique triste, chefe! Existem mais alguns abismos cheios dos que estão tentando destruí-lo. Logo estarão no ponto de descerem um pouco mais, ou reiniciarem suas doloridas ascensões aos domínios da luz do saber.
- Existem outros abismos função do mesmo desejo de destruí-lo?
- Isto mesmo, chefe. O sétimo círculo descendente abriu suas portas e lançou contra ele todo o seu potencial são golpeados com a mesma fúria que os executores das Trevas golpeiam as suas últimas. É o inverso na aparência e na finalidade.
- Como assim?
- Nas Trevas você golpeia sua vítima e causa-lhe dor com o intuito de destruí-lo, mas na Luz você sofre os golpes que despertarão a justa justiça da Lei, que vergará até o extremo o injusto golpeador.
.- Meu Deus! O tempo todo nós fomos vigiados pela Lei.
- Isto mesmo, chefe. Eu ainda tentei dissuadi-lo de se meter com ele, não?
-Sim.
- Ainda tentei fazê-lo ver que somente a mim competia fazê-lo sofrer a ação da Lei, e você não me deu ouvidos.
- Sinto muito ter lhe atacado, mas ao final de tudo foi um bem para mim.
- Por que diz que foi um bem para você, se está todo ferido, marcado e magoado?
- Tal ação evitou que eu continuasse a praticar o mal. Se não fosse isso, eu continuaria a prejudicar meus semelhantes.
- Está se transformando para melhor, chefe.
- Estou despertando para a luz da razão
- Mas ainda não está salvo, chefe. Está sujeito à ação de seu tormento, e quando menos suspeitar estará se lançando nas trevas da ignorância, e então cavará um abismo mais profundo do que este.
- Vou lutar para que isso não aconteça, Sete Guizos.
- Como?
- Clamando ao único que me restou, e o único que me ouvirá neste abismo profundo. Se somente Deus pode me ouvir, então clamarei por Ele e sei que serei ouvido.
- Isto é certo, executor. Mas o tão ansiado auxílio poderá demorar para chegar. Ele terá que encontrar alguém que queira descer até aqui para resgatá-lo e ajudá-lo a se curar e reiniciar sua caminhada. Como fará, se não tem quem que se lembre de você?
- Não importa, meu amigo! Deve haver alguém, em algum lugar, que queira, num gesto extremo de caridade e amor, vir auxiliar-me, quando assim Deus achar que eu merecer.
- Você até que não é burro, executor.
- Por que não me chama pelo meu nome?
- Qual é o meu?
- Sete Guizos.
- Quem tem Sete Guizos?
- Uma cascavel.
- Então o que sou?
- Uma cascavel.
- É isto executor! Eu serei o que sou enquanto restarem pedras espalhadas que possam compor a minha torre. Ela alcançará a Luz no dia em que eu reconstruí-la. Até lá, eu sou o que sou, não importando a aparência que eu venha a assumir. Somente deixarei de ser um "Sete Guizos" no dia em que todas as pedras destinadas à minha torre estiverem em seus devidos lugares, formando um sólido farol a iluminar as Trevas, onde tantos ainda rastejam na ignorância dos vícios adquiridos na carne e intensificados na vivência espiritual.
Neste momento, os guizos começaram a soar e ele falou:
- Está na hora de ir, executor.
- Por que ninguém foi picado pelos seus amigos?
- Só porque vocês desejam livrar-se dos seus tormentos imaginam que outros devam se atormentarem também? Nem todos os que estão ocultos sob a forma de répteis são venenosos. Muitos a mantém, assim como eu faço, por simples conveniência. Assim podem fazer o bem e reconstruir suas torres que um dia destruíram por praticarem o mal.
Olhe para nós executor. Veja que de nós todos esperam apenas o mal. Por isso somos temidos e evitados, enquanto que daqueles que têm a forma humana, ninguém sabe o que esperar. Muitos sofrem duros golpes, se desiludem e revoltam-se contra a Lei Maior e seu maior guardião, que é Deus: a Lei Viva e a Vida da Lei.
Quando alguém vê uma cascavel praticar o bem, se surpreende porque dela só esperava o mal. É o inverso do que acontece com os que mantém a forma humana: todos esperam que ele faça somente o bem, e no entanto se surpreendem quando ele faz o mal. Depois não têm a calma suficiente para confiar na Lei Divina que diz: "Quem prega o amor, com amor será compensado, e quem prega o ódio, com o ódio será pregado.”
Bem, os guizos já chacoalharam pela terceira vez. É hora de voltar à crosta.
- Por que vieram até nosso abismo?
- Antes do mal bater à sua porta, a Lei manda alguém para avisá-lo.
- Como assim?
- Seu tormento está prestes a se consumar. A transformação então cessará, e vocês ou subirão ou descerão, pois o guardião transformador quer este abismo vazio em pouco tempo.
- Então virão aqueles que tentarão induzir-nos a uma nova queda?
- Sim.
- Mas por que vieram vocês, cascavéis, e não espíritos luminosos?
- Onde vocês estão?
- Nas Trevas.
- Se vocês estivessem na Luz e alguém quisesse lhes falar, não poderia usar uma forma das Trevas, para não chocá-los. Assim como um homem casado com uma mulher não tão bela na aparência física nunca irá trocá-la por uma mais feia e sim por uma mais bonita, você todos viram cascavéis que Ihes falaram para começarem a fazer as coisas da forma correta.
- Quem virá nos atormentar?
- Quem virá para induzi-los a escolherem o caminho mais curto que os leva para fora deste abismo serão as cobras negras. Comecem a descobrir o simbolismo das aparências, e saberão porque as cascavéis são rajadas, numa mescla de branco e preto. Então saberão que ainda estão submetidas à ação, tanto da luz, quanto das Trevas. Cobras totalmente negras significa que não há mais luta, pois fizeram suas escolhas finais e se entregaram às Trevas. Para esses não há mais um caminho de volta, e a queda é constante em suas imundas existências. Para eles, restará apenas uma trilha que desce, e a cada metro que descem, aquilo que ficou para trás apaga-se e forma-se às suas frentes.
È a Lei, executor. Até qualquer dia.

Ação de um Guardião transformador e descrição de obsessões e carmas adquiridos - Parte 1 - A Lei se Confirma

(Retirado do livro “Diálogos com um Executor” de Rubens Saraceni)


Ação de um Guardião transformador e descrição de obsessões e carmas adquiridos

Parte 1 - A Lei se Confirma


Bem, aqueles que eu enviei no primeiro ataque, sumiram sem deixar a menor pista. Então enviei outros, que também sumiram.
Foi aí que resolvi usar o Vítor. Ele, com suas, dores e sofrimento, era ótimo para destruir alguém sem ser notado. Simplesmente aproximava-se, grudava em sua vítima e tirava-lhe toda a energia vital. Em poucos dias, seu alvo caia doente e morria.
Vítor grudou em sua filha, amigo Rubens. Ela ficou doente imediatamente, e sua esposa a levou ao médico. Foi naquele dia que você foi encontrá-las no consultório, colocou suas mãos na pequenina e puxou para si o espírito que a aniquilava. Vítor entranhou-se em você, e eu então pude assistir ao primeiro golpe forte que o derrubou.
- Pois eu vibrei de alegria quando o vi cair na cama, doente. Foram dias de expectativa, à espera de sua morte que demorava a acontecer. Mas logo fiquei furioso porque Vítor sumiu, e não o vi mais. Outros que estavam com ele também sumiram.
De repente muitos outros começaram a desaparecer misteriosamente. Você recuperou-se parcialmente, e voltou à ativa. Não havia sido daquela vez que eu o destruiria.
Alguns dias depois encontrei minha filha. Ela havia conseguido algum sucesso no objetivo de prejudicá-lo no seu trabalho e estava confiante em que logo o arruinaria de vez. Traçamos uma estratégia comum onde eu teria por incumbência destruir-Ihe a saúde, e ela as economias. Tudo ia muito bem, até que sem mais nem menos, ela e toda a sua falange de auxiliares sumiram sem deixar vestígios.
Fomos em busca de diversão numa boate na crosta terrestre. Foi minha última noite de diversão, porque quando reuni o que havia de pior no inferno e parti para o ataque fulminante, vi à sua volta vários protetores luminosos.
Mas não me detive diante a presença deles, e começamos a irradiar pesado contra você e sua família. Foi naquela noite em que seu guardião riscou um ponto cabalístico e queimou pólvora sobre ele, lembra-se? Eu não percebi, antes que fosse tarde.
Quando me dei conta, já estava preso numa armadilha mortal e me vi jogado no meio do ponto cabalístico. Ainda ouvi a gargalhada do seu guardião quando incendiou o ponto mágico. Eu me lembrei que aquela gargalhada era igual à gargalhada do rastejante cascavel, mas nada mais pude pensar: o fogo queimou o meu corpo espiritual.
Vi o homem à minha frente transformar-se em um negro de trezentos anos atrás, mais ou menos. Vi minha querida filha Priscila como uma escrava negra muito bonita, e vi Vítor como meu próprio filho, que gostava, ou melhor, amava a negra. Vi minha mulher da última encarnação como uma amante mestiça, e a minha pequenina Eliana como minha esposa na encarnação anterior.
Também vi como torturei o negro, que já fora pai de Priscila. Eu o usava como jagunço caçador de fugitivos, e por ordens minhas ele matou muitos que não se resignavam com a escuridão. Vi como veio pedir-me para deixar meu filho casar-se com sua linda filha. Eu não só impedi o casamento, como o matei e passei a afastar Vítor da escrava. Tanto fiz, que ele acabou se suicidando.
Então eu fiquei com a bela negra para mim, eu que já tinha uma mestiça como amante. Vi como a antiga amante a apunhalou por ciúmes, e eu a castiguei tanto que ela também veio a morrer. Vi como minha pequena Eliana, outrora minha esposa ficou doente e eu lhe neguei socorro.
Voltei um pouco mais no tempo, e vi quem havia sido meu pai naquela encarnação, meu amigo.
Eu estava tentando destruir aquele que um dia havia me acolhido como filho, e que me deixara com uma imensa fortuna. Eu não ouvi seus conselhos, e em conseqüência me perdi num momento de fraqueza da carne.
Vi também que havia sido meu protetor até o ano de 1948. Dali por diante, eu o perdi como protetor, e não o vi mais. Hoje, analisando tudo com calma, vejo que foi naquele ano que minha vida sofreu uma forte transformação para pior. Eu perdi a posse da agência importadora para meu sócio, e passei a ser seu empregado.
Sim, foi depois que perdi meu protetor que minha vida sofreu uma transformação, e era você quem me guiava por um bom caminho, pois eu, até 1948, era mantenedor de um orfanato em Santos e provedor de auxílio aos velhos portuários que eram descartados após não mais poderem lombar as sacarias para os navios. Como num passe de mágica, eu fiquei arruinado e vendi minha sociedade na agência importadora e exportadora para saldar dívidas e mais dívidas.
E sabe quem estava atuando neste sentido contra mim?
- A chefe de Priscila. A mesma a quem eu ajudara no propósito vingativo contra você.
- Ela, no tempo em que era uma feiticeira e que você a degolou, havia sido minha esposa. E veja que isto foi há milhares de anos atrás. Somente ela foi degolada, pois eu dei ouvidos ao chamado à razão que você havia enviado a nós dois. Ela odiou-me por todos esses milênios. Enquanto você me auxiliava, de encarnação em encarnação, a resgatar meus erros, ela procurava me lançar nas Trevas. Assim foi por milênios afora.
Mas uma coisa é certa: ela me queria ao seu lado; e como não podia ir para a Luz, tentava me puxar para as Trevas.
Era por isto que ela sempre me convidava para nos divertirmos com os freqüentadores de lugares onde só vibravam desejo e prazer. Eu sentia como ela se alterava quando eu acompanhava Priscila até o seu domínio no lado escuro. Também recebia dela toda a atenção que só uma amante carinhosa sabe dispensar a um visitante.
Ela protegia Priscila, para ter-me ao seu alcance, e usava a nós dois para destruí-lo em sua sede de vingança multimilenar.
Só então eu compreendi tudo. Eu devia ter ouvido as palavras do irmão Fernando, o superior do abrigo que me acolheu e à minha pequena Eliana.
- O superior Fernando havia sido meu irmão naquela encarnação, e foi com o seu auxílio que ele iniciou aquele abrigo no começo deste século. Ele não poderia me dizer isso, pois eu teria que lutar contra meu instinto e amoldar-me às regras da Luz, ou seja, confiar em Deus e na Sua justiça. Tudo o que se nos parece injusto, tem uma razão de ser, e foi motivado por uma ação anterior que apenas está provocando um efeito tardio de reação.

Quanto ao tal de Sete Guizos, cuspiu na chefe de Priscila e falou-lhe:
- É bom que saiba de uma coisa, feiticeira. De hoje em diante, não sou eu, quem deve sentir medo. Você conseguiu lançar-me nas Trevas, e será muito difícil eu sair daqui um dia. Portanto, serei eu quem irei tentar derrubá-la daqui por diante. Vou ser o seu tormento dia e noite, tal como você foi o meu.
A sua primeira derrota você já estás sentindo: não é chefe de coisa alguma, e fui eu quem armou a arapuca em que você caiu como uma tola. E olhe que isto foi só o começo!
Então, o tal guardião gritou irado:
- E quanto aos infelizes, que queriam apenas elevar-se um pouco diante da Lei, maldita? O que me diz disso? Por que agora só pensa em sua própria existência, maldita? Por acaso se achava no direito de derrubar a quem não lhe agradasse? Pois agora chegou a sua vez de provar o seu próprio feitiço, e olhe que ainda não comecei com você.
- Não faça mais mal a mim, e eu o servirei para todo o sempre.
- Isso você fará enquanto a Lei assim ordenar, pois foi ela quem me ordenou que a transformasse. Agora você sentirá em seu corpo todo o mal que causou aos encarnados e àqueles que você iludiu nas Trevas.
- Quem é você para julgar-me e executar-me! – exclamou ela.
- Eu não a julguei feiticeira. Alguém no lado luminoso ordenou-me que a transformasse, e é o que eu vou fazer. Quanto a mim, não tomo iniciativa própria porque não me compete julgar ninguém. Mas aqueles que a Lei joga em meus domínios, eu os transformo em pouco tempo.
- Mentira! Você é só mais um dos meus inimigos ancestrais.
- Isto é verdade, mas ainda que eu pudesse tê-Ia destruído a muitos milênios atrás, não ousei fazê-lo porque sabia que um dia ajustaríamos nossas contas pendentes.
- Isto não é justo - gemeu ela.
- Como não? Eu jamais a persegui, ainda que tivesse bons motivos para fazê-lo. Eu fui justo e paciente, pois conheço a lei que rege o erro e a justiça no seu reparo, e um dos seus artigos diz o seguinte: "Quem fez o mal, irá repará-lo, até que em bem o transforme". Pois agora você irá transformar o mal que me causou em meu próprio bem. Irá me servir até que a Lei venha tirá-la dos meus domínios, e veja que se a Lei demorou sete mil anos para entregá-la a mim, no mínimo outro tanto irá demorar para olhá-la novamente. Ha! Ha! Ha!
...E ele gargalhou de prazer. Eu estremeci com sua risada, e a feiticeira gemeu diante do castigo imposto pela Lei. A um sinal, o tal Sete Garras cravou suas garras descomunais nela e a arrastou por uma porta escura.

Neste momento chegou o meu chefe executor. Eu implorei seu auxílio:
- Chefe, ajude-me! Estão querendo acabar comigo.
- Nada posso fazer por você, Mário.
- Mas eu o tenho servido, a tanto tempo. Não pode me abandonar agora.
- Fui eu quem o mandou executar o protegido do guardião?
- Não.
- Então não posso fazer nada por você agora. Você está colhendo o fruto amargo da sua semeadura.
- Eu estava enganado, chefe. Fui iludido pela chefe de minha filha.
- Azar seu, Mário. Eu sempre lhe disse que fizesse apenas o que eu ordenava, mas você sempre se excedia e tomava a Lei em suas mãos. Você não se contentava em levar alguém para as Trevas depois de eliminá-lo da face da terra.
Não! Você queria ser juiz, carrasco e torturador, ao mesmo tempo. Eu só deixei você dar vazão ao seu ódio insensato porque recebi ordens do meu correspondente, na Luz quando você começou a odiar esse idiota aí. Mas como seu ódio não se esgotava, recebi ordens de não mais lhe confiar execuções. Saiba que há uma lei invisível e imutável que nos vigia segundo a segundo, Mário. E você foi colhido por ela duas vezes. Na primeira, caiu nos meus domínios, e na segunda, nos domínios do guardião do canalha que você, sua filha e a chefe dela tanto prejudicaram. Ou você pensa que eu não os vigiava?
O mesmo que este guardião da Lei nas Trevas pode, eu posso, pois também sou um dos sete guardiões da Lei.

- Azar o seu, pois devia ter aprendido a raciocinar e perceber que, se você podia tirar a vida dos canalhas é porque alguém isto permitia.
Mas não. Você nunca procurou saber qualquer coisa a este respeito, e se satisfazia simplesmente em executá-los. Você não serve para ser um executor porque ousou desejar fazer de escravo seu, o protetor à esquerda de um encarnado, e violou urna regra inviolável: "Um protetor não pode ter sua missão impedida por quem quer que seja. Se o encarnado ascender, ele ascende junto; se cair, ele cai também."
E isto se aplica tanto ao da direita, quanto ao da esquerda.
- Por que só agora me falam isto?
- Você nunca perguntou antes, e agora já está sob os efeitos da transformação que se processará em seu mental.
- Como será esta transformação?
- Como se trabalha o ouro arrancado do meio da terra?
- Fundindo-o no calor do fogo - gemi eu.
- E como se torna urna pedra bruta em preciosa?
- Lapidando-a no esmeril - tomei a falar, quase sem voz.
- Como se torna um ouro mole em ouro sólido e forte?
- Com uma mistura das ligas.
- Quem são essas ligas?
- Minha esposa, minha filha, Vítor, o tal Sete Presas, a feiticeira, minha filha na Luz e o encarnado que eu quis matar.
- Ótimo raciocínio, Mário. Vamos ver se você não é uma pedra impura, que se parte quando o artesão tenta arrancar-lhe as impurezas que a tomam sem valor.
- Deus do céu, eu estou perdido!
- Isto aconteceu quando você abandonou o abrigo, Mário. Admira-me muito você só perceber isto agora, que seu tormento ainda nem começou.
- Mas eu já estou quase louco, chefe.
- Problema seu. Deveria ter percebido que não tinha o direito de tirar a vida de ninguém na carne.
- Mas como, se foi o senhor quem me ensinou como fazer tal coisa?
- Não era você quem desejava tanto tirar a vida do canalha do Vítor?
- Sim, mas eu não sabia o que fazia.
- Primeira lição a aprender, Mário: "Se não souber o que fazer, então nada faça, pois muito estará fazendo."
- Qual a segunda lição, chefe?
- "Não faça a seu semelhante aquilo que não gostaria que ele fizesse a você."
- Isso está escrito no Livro Sagrado.
- Sim, esse é um dos artigos da Lei Maior, dado a conhecer aos homens para evitar que assumissem muitas dívidas na carne. E como Lei Maior, tanto é válida no alto, como no meio ou embaixo.
- Estou perdido!
- Está sofrendo sua transformação, e nada mais.
- Em que serei transformado?
- No que você quiser. Em ouro forte e brilhante, ou em metal sem valor algum; em pedra preciosa, ou em um pedaço imprestável de cascalho. Tudo depende de você de agora em diante.
- Como irei me conduzir num meio hostil?
- Só há uma forma, Mário.
- Qual é ela?
- Em seu próprio benefício, prefiro deixá-lo descobrir qual é. Agora devo ir, porque tenho coisas mais importantes com o que me preocupar.
- Por que veio ver meu suplício, chefe?
- Em respeito aquele que você e sua filha atingiram enquanto ele está envolto pelas amarras da carne e cego em sua Terceira Visão.
- Mas eu já não o odeio mais, e até sinto remorsos por teceu prejudicado tanto.
- Problema seu, pois só facilitou o trabalho para muitos outros que o odeiam e querem destruí-lo, como queria aquela feiticeira do lixo do inferno.
- Meu Deus! Prejudiquei a quem tanto fez por mim enquanto pode.
- É o preço, e terá que pagá-lo, Mário. Você, sua filha e muitos outros que estão sendo movidos pelo ódio que cega a razão. A queda dele implicará na sua maldição de hoje em diante. O remorso o consumirá dia e noite.
- Mas eu não sabia.
- Mais uma lição: "Quando nada souber, pergunte a quem possa esclarecê-lo. Se você nada sabe, nada faça. Certamente poderá fazer tudo errado, caso tente fazer algo."
- A quem eu posso pedir perdão, chefe?
- Eu só executo o que a Lei me ordena, portanto não sou juiz para perdoar a ninguém. Eu sou apenas um executor.
- Então, a quem devo me dirigir para alcançar o perdão para os meus erros?
- Eu sei a quem você deve se dirigir. Mas para seu próprio bem, prefiro que descubra por si mesmo, ou então que se perca nas trevas da ignorância para todo o sempre.
- Estou perdido então?
- Isto aconteceu no dia em que você abandonou o abrigo da Luz e desejou tomar em suas mãos o que somente à Lei Maior competia. Mais uma lição, Mário: “Quem em suas mãos toma o que à Lei pertence, à Lei certamente irá responder com as mãos postas à palmatória”.
Bem Mário, vou-me embora e espero não vê-lo nunca mais. Mas caso, sua transformação seja para pior, certamente um dia destes nos encontraremos, e isso não será bom para você. Eu somente vou ao encontro daquele que a Lei ordena que eu vá executá-lo. Espero não precisar executá-lo uma segunda vez.
- Foi o senhor quem me executou quando eu vivia na carne?
-Sim.
- Porque, se eu era um bom homem?
- A Lei queria provar sua resistência diante do tormento que se abateria sobre sua família que ficara na carne.
- Por que uma prova tão difícil?
- Na outra encarnação você não atormentou as suas ligações ancestrais?
-Sim.
- Então a Lei queria ver se você suportaria o tormento dessas ligações. Mas não se culpe por isso, porque a maioria falha. Poucos são sábios o bastante para suportar a dor causada por uma ofensa àqueles que lhe são queridos, e ainda perdoar a seus opressores sabendo que apenas estão sofrendo a reação provocada por uma ação anterior. Até a vista, Mário!
Ele, o meu antigo chefe, saudou o outro guardião e a guardiã, e desapareceu. Ela, a guardiã, ainda olhou para mim, minha filha, minha esposa e Vítor, depois saudou o tal guardião do lugar e também desapareceu.
Então ele falou-me:
- Quero vê-lo chicotear sua esposa, sua filha e o seu escravo.
- Mas eu não quero fazer isso. Poupe-me deste tormento, por favor.
- Está certo, vou atendê-lo. Os cães farão seu trabalho então.
Mal ele disse isso, e os cães negros saltaram sobre eles. Os urros de dor tomaram conta do lugar. Eu tentei salvá-los das presas afiadas, embora isso me fosse impossível, mas quem me segurava puxou a corrente e lançou-me contra o solo. Eu gritei para que parassem com aquilo, e ele me ouviu, pois os cães se afastaram.
- Como queira, canalha. Pegue um chicote e dê cinqüenta chicotadas em cada um!
- Poderia me dizer qual o sentido disso?
- Como não? Vítor traiu sua confiança, não?
- Sim.
- Sua esposa traiu um juramento, não?
- Sim. Mas como justificar minha filha?
- Foi por ela que você voltou-se contra meu protegido, prometendo fazer, tanto a ele quanto a mim, em escravos seus, não?
-Sim.
- Então, comece com o castigo, senão os cães voltarão ao ataque.
- Mas agora eu sei que tudo tinha uma razão de ser. Eu não mais odeio minha esposa, e muito menos Vítor.
- Este é um problema seu. O que você fez no ódio, terá que fazer agora que já não os odeia.
- Mas isto é injusto!
- O que é justo nas Trevas? Vamos, comece o castigo!
- Posso propor uma troca?
-Não.
- Eu recebo as chicotadas a eles designadas.
- Mais uma lição: "Só use princípios da Luz, na luz, porque nas Trevas eles são incompreensíveis, assim como são incompreensíveis à Luz, os princípios das Trevas".
- Eu não compreendi o sentido.
- O que lhe disseram os protetores de sua filha quando você quis tomar o destino dela em suas mãos?
- Disseram para eu acalmar-me e confiar na justiça divina.
- E o que lhe disse o guardião executor logo a seguir?
- Que me ensinaria como eliminar Vítor.
- A qual dos dois princípios você deu ouvidos?
- Ao do guardião executor.
- Compreende agora quando eu digo que há dois princípios? Na Luz, você suportaria a dor que ela iria sofrer, enquanto nas Trevas você repassaria essa dor a um terceiro, não deixando que ela se esgotasse toda em você mesmo, não tendo confiança na justa justiça de Lei Maior.
- Mas, eu vou sofrer muito se chicoteá-los.
- Prefere que eu transfira a tarefa de torturá-los aos meus cães?
Imediatamente os cães rosnaram, e começaram a se mover ameaçadores. Todos gritaram de medo e pediram-me para que eu os chicoteasse. Então ele tomou a falar:
- Está vendo? Até eles já estão conscientes de que você não deve passar sua dor para a frente, senão irão sofrer muito mais.
- O que quer dizer com isto?
- Que se você não interviesse no trabalho dos dois protetores designados para sua filha, ela não teria se transformado numa meretriz, não teria procurado o aborto do filho que ia ser gerado em seu útero e Vítor iria parar de se embebedar, casando-se com ela antes que o escândalo viesse a público.
Esta foi a forma que a Lei encontrou para castigar a você que um dia os atormentara numa outra encarnação. Quanto à sua esposa, ela só permitiria que sua filha se casasse devido ao escândalo que a gravidez causaria, uma vez que na encarnação anterior ela havia tirado sua vida. Desta vez tinha o amor da mãe geradora a impedi-Ia de matar a própria filha.
E quanto a Vítor, você não lhe tomou a amada em outra encarnação? Nada mais justo que ele tomar-lhe a esposa, e nas mesmas condições de simples amante que se aproveitou da mesma confiança que ele depositava em você. Na outra encarnação foi você quem o mandou para longe, e ficou com sua amada. Se o ofendeu por possuí-Ia, desta vez foi você o ofendido, com ele possuindo à força a sua tão querida filha, que outrora fora sua bela amante, também à força.
- Mas...
- É a Lei. Cumpra-a, ou a transfira aos meus cães.
- Mas vou sofrer muito de qualquer forma.
- É seu problema. Se um dia você preferiu tomar a Lei em suas mãos e transformar a dor em ódio, agora terá que sentir dor no castigar àqueles que o fizeram odiar. Neste momento eu sou o agente castigador, e você escolhe se toma a Lei em suas mãos ou a deixa nas minhas.
- Mas você é muito mais cruel que eu. Irá destruí-los!
- Não, eu vou apenas transformá-los, e nada mais.
- Mas vai fazê-los sofrer muito mais do que eu.
- Isto é o que a Lei teria feito, se você não tivesse intervindo no seu livre e perfeito curso.
- Pois eu não vou interferir desta vez. Se tal tarefa a você pertence, então cumpra-a, pois senão eu apenas estarei protelando-a mais uma vez.
- Muito sábia a sua decisão. Cães, avancem!
Apesar dos gritos de minha esposa, de Priscila e Vítor, os cães avançaram e as morderam muitas vezes. Eu chorava impotente, porque outra coisa não podia fazer.
Em dado momento, eles pararam e foram deitar-se a um canto. Eu, chorando de pena por tanto sofrimento, rastejei até eles e procurei consolá-los. Mas foi em vão, pois não me ouviam e nem me notavam devido ao castigo recebido.
Depois de um longo tempo voltaram à consciência. Acusaram-me de tê-los deixado à sanha dos cães. Eu argumentei que não poderia mais castigá-los com minhas intervenções desastrosas.
- Você é quem deveria ser mordido, Mário! - exclamou minha esposa.
Imediatamente os cães saltaram sobre mim e me rasgaram todo, ou o que restara do meu corpo espiritual, depois deter sido queimado no ponto cabalístico. Eu fui levado à loucura pela dor, e até perdi os sentidos. Minha esposa ficou penalizada com meu estado, e gritou ao guardião:
- Não foi isto que eu pedi!
- Como não.
- Eu só quis dizer que ele era o culpado por nos ter metido nesta enrascada infernal.
- Como pode acusá-lo, se foi você quem se insinuou ao Vítor quando ele vinha dormir em sua casa? Ou vai negar que fingiu entrar semi nua por engano no quarto a ele reservado, provocando-o e ousando um pouco mais, além dos olhares insinuantes que enviava a ele quando seu marido não estava por perto?
- Eu fui a culpada por ele ter se envolvido comigo.
- Então não é o Mário o culpado, e sim você, não?
- Sim eu fui a única culpada, mas isto porque Mário não me satisfazia como homem.
- Então, ele é a causa de todo o mal, não?
- De certa forma, sim.
- Então ele merece sofrer, não?
-Sim.
- Pois ele vai receber o justo castigo quando retomar à consciência.
- Mas por que, se eu o traí, e não o contrário?
- Devido à sua traição ele odiou, e em conseqüência causou muita dor aos seus semelhantes.
Nisso eu recobrei os sentidos e comecei a ser chicoteado por um carrasco. Como doíam as chicotadas! Elas cortavam fundo o que restava do meu corpo espiritual.
- Parem! Se ele errou, foi por minha culpa - gritou Priscila - Ele só tomou a Lei em suas mãos quando viu Vítor fazer-me sua amante e ameaçar-me de morte. Eu sou a culpada!
Imediatamente o tal Sete Garras cravou-lhe suas garras medonhas, ferindo-a toda. Como era cruel e bestial aquela criatura! Priscila gritava de dor, até cair sem sentidos. Então Vítor finalmente falou:
- Eu sou o culpado de toda esta desgraça. Fui eu quem, a pretexto de consolar a família, fiquei naquela casa e tomei o lugar de Mário. Não soube me comportar como um verdadeiro chefe de família porque quem eu realmente amava e desejava era Priscila, e não sua mãe. Foi por isso que comecei a beber, num momento de total embriaguez, eu matei a pequena Eliana.
- Então finalmente reconhece a sua culpa, não?
- Sim, eu fui o pivô de todo o mal. Eu sou o grande culpado.
O chicote estalou sobre ele tantas vezes quanto resistiu. Quando não mais sentia os golpes da chibata, o Sete Garras o trespassou várias vezes. Vítor urrava de dor, e acabou por desmaiar. Então eu falei:
- Qual o sentido deste tormento, guardião transformador?
- Eu quero saber realmente quem é o culpado, mas vou ter que continuar outra hora. Por enquanto ainda não sei quem é o verdadeiro culpado. Até lá vocês acertarão suas contas com aqueles que prejudicaram. Eles estão ansiosos por, finalmente, poderem se vingar.
- Onde estão eles?
- Vocês serão conduzidos às masmorras onde eu os mantenho presos.
- Isto é o inferno! Nunca cessa o nosso tormento?
- O que há na Luz?
- Paz - gritei eu.
- E nas Trevas?
- O desespero.
- Qual o lado que vocês escolheram?
- O escuro.
- Então, receberão o que há no escuro.
- Mas isto é injusto! - exclamei eu.
- O que é justo no lugar para onde somente os injustos são enviados?
- Por que não acaba conosco de uma vez?
- Fala por si só, ou pelos outros também?
- Por quê?
- Se fala por si, acabarei apenas com você, mas se fala por todos, você estará decidindo o que é melhor para eles. Estará tomando em suas mãos, mais uma vez, os seus destinos, e será responsável pelo que lhes acontecer.
- Isto significa que tudo o que dissermos será usado contra nós?
- Exatamente!
- Meu Deus, estamos perdidos!
- Isto aconteceu há muito tempo, idiota. Quando se afastaram dos princípios da Luz, caíram nas malhas dos princípios das Trevas, e agora apenas os estão vivendo com todo sua intensidade e força.
- Eu me calo, guardião transformador.
- Abdica, então, do domínio sobre o destino deles?
- Totalmente! Que cada um receba o que a Lei lhe tem reservado. Ela não dará nada mais que o castigo merecido.
- Sábia escolha, Mário. Cada um irá receber o quinhão a ele reservado pela Lei, quando ela atua nas Trevas. Levem eles daqui! - gritou ele.
Na sala não ficou ninguém. E dali para a frente, eu me calei e suportei em silêncio todas as vinganças daqueles que haviam sido prejudicados por minhas ações. Devo dizer que os juizes que atuam ocultos por certas aparências, são muitos.
Eu sofria, mas os meus algozes também sofriam. Nossos carrascos eram implacáveis com quem devia, e com quem tinha algo a receber. Em verdade, éramos todos devedores, pois estávamos num lugar onde quem possuía algum crédito passava longe.

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