O que diriam
os pregadores da intolerância, os obreiros do justiçamento, os apóstolos do
olho por olho dente por dente sobre um homem que manifestou seu amor por um
ladrão condenado e lhe prometeu o paraíso? Brandiriam o velho sermonário:
bandido bom é bandido morto?
Na próxima
quinta-feira, quase todos os brasileiros, inclusive os cônscios moralistas da
violência que amarram adolescentes em postes para linchá-los, se reunirão com
suas famílias para celebrar mais uma vez o nascimento desse homem.
Sujeito,
aliás, que respondeu à provocação: está com pena? Então, leva para casa! Pois,
é. Jesus Cristo prometeu levar o ladrão para casa. "Em verdade te digo que
hoje estarás comigo no Paraíso", diz o evangelho de Lucas.
Jesus optou
pelos oprimidos e renegados, pelos miseráveis, leprosos, prostitutas, bandidos.
Solidarizou-se com o refugo da sociedade em que viveu, contestou a ordem que os
excluiu.
O Cristo
bíblico foi um dos primeiros e mais inspiradores defensores dos direitos
humanos e morreu por isso. Foi perseguido, supliciado e executado pelo Império
Romano para servir de exemplo.
Assim como
servem de exemplo os jovens que são espancados e crucificados em postes, na
ilusão de que a violência se resolve com violência. Conhecemos a mensagem
cristã, mas preferimos a prática romana. Somos os algozes.
Questiono-me
sobre o que seria dele em nossa Jerusalém de justiceiros. Não sei se
sobreviveria. É perigoso defender a tolerância, o amor ao próximo e o perdão
quando o ódio é tão banal. Como escreveu Guimarães Rosa: "quando vier, que
venha armado".
Não é
difícil imaginar por onde ele andaria. Sem dúvida, não estaria com os fariseus
que conclamam a violência e fazem negócios, inclusive políticos, em seu nome.
Caminharia
pelos presídios, centros de amnésia da nossa desumanidade, onde entulhamos
aqueles que descartamos e queremos esquecer, os leprosos do século 21.
Impediria que homossexuais fossem apedrejados, mulheres violentadas e jovens
negros linchados em praça pública. Estaria com os favelados, sertanejos, sem
tetos e sem terras.
Por ironia,
no próximo Natal, aqueles que defendem a redução da maioridade penal, pregam o
endurecimento do sistema prisional, sonham com a pena de morte e fingem não ver
os crimes praticados pelo Estado contra os pobres receberão um condenado em
suas casas.
Diante da
mesa farta, espero que as ideias e a história desse homem sirvam, pelo menos,
como uma provocação à reflexão. Paulo Freire dizia que amar é um ato de
coragem. Deixemos então o ódio para os covardes. Feliz Natal.
Marcelo
Freixo
_________________________________________________________
Leitura complementar para reflexão natalina: O Julgamento
de Jesus
[Aspectos
Jurídicos de]
Há tanto
misticismo e confusão acerca da crucificação e ressurreição que acabamos
perdendo de vista o fato de que Jesus de Nazaré foi julgado como homem diante
de uma corte de homens sob as leis dos homens, condenado e executado como
homem, e que como drama, o julgamento de Jesus supera quaisquer dos grandes
julgamentos da história da justiça humana.
Abordarei esse
assunto como advogado, não como teólogo. Recomendo a pesquisa dos aspectos
teológicos dos eventos por conta de cada um. Creio que ter o ponto de vista de
um advogado sobre os processos da lei que culminaram na morte de Jesus na cruz
cruel do Calvário pode levar a uma melhor compreensão espiritual.
De início eu
quero enfatizar que não considero que uma raça inteira de pessoas (os Judeus)
tenha causado a morte de Jesus. E também não creio que nenhum Cristão
inteligente pensaria isto.
Minha
opinião é que apenas uns poucos homens poderosos em Israel - principalmente os
sacerdotes superiores daquela nação - foram os responsáveis pela injustiça que
ocorreu. Para entender quão grande foi essa injustiça, vamos examinar a lei
Judaica como ela existia na época... um verdadeiro e magnífico sistema de
justiça criminal.
Sob as
provisões da lei Judaica não poderia haver condenação por um crime capital
baseado no testemunho de menos que duas pessoas. Uma testemunha era considerada
a mesma coisa que nenhuma testemunha. Se houvessem apenas duas testemunhas,
ambas teriam que concordar em todos os particulares até os mínimos detalhes.
Sob a lei
rabínica, o acusado tinha o direito de ter um defensor (o precursor da garantia
de ter um advogado em processos criminais que é definido pela Sexta Emenda da
Constituição dos Estados Unidos). Se o acusado não pudesse pagar pela defesa,
um defensor seria escolhido para ele. Alguém poderia pensar no caso Gideon
versus Wainwright, que deu origem ao sistema de defensores públicos como uma
inovação. Mas na realidade essa era a prática das cortes desde há 2000 anos
atrás !
Sob a lei
Mosaica, um acusado não poderia ser obrigado a testemunhar contra si mesmo.
Esse era o espírito da Quinta Emenda: "Ninguém deve ser obrigado a servir
de testemunha contra si próprio em nenhum caso criminal." Eis o conceito
de "apêlo à Quinta Emenda", que fez parte da justiça criminal desde
os tempos de Moisés !
Uma
confissão voluntária não era suficiente para a condenação sob a lei Judaica. O
ônus da prova ainda era do Estado, que tinha que provar que a confissão, se
houvesse sido feita, teria sido feita livremente, de forma voluntária e de
plena consciência.
Hoje em dia,
os policiais norte-americanos são obrigados a ler os "direitos
Miranda" ("Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser
poderá ser usado contra você.", etc ...) para os acusados de forma que a
Corte possa determinar que uma confissão seja feita livremente, voluntariamente
e conscientemente.
Se uma
confissão é feita depois que a lei Miranda foi ouvida e compreendida, a
confissão pode ser admitida. Mas não era assim nos tempos de Jesus. A lei
Judaica não admitia confissão, sob a crença de que o Estado jamais poderia se
basear no que uma pessoa disse de sua própria boca para condená-la.
Uma
evidência circunstancial é aquela que não está diretamente ligada ao crime, mas
sim relacionada à outras evidências, que juntas, servem para que se deduza como
um crime foi realizado. Em um julgamento, as impressões digitais da pessoa
(evidência circunstancial) servem para deduzir que o acusado esteve em tal
local e tocou em tal objeto, mesmo que ninguém tenha visto o acusado.
No caso em
que uma testemunha diz "ouvi um tiro e, quando cheguei à cena segundos
depois, vi o acusado com uma arma na mão", essa evidência é
circunstancial. O problema é que o acusado pode ter disparado um tiro contra o
agressor que fugiu após o crime ou o acusado pode ter sido apenas alguém que
pegou a arma depois que o agressor a jogou no chão.
Pois bem, as
evidências circunstanciais também não eram admitidas.
Hoje em dia,
raramente se vê um caso nas cortes onde as evidências circunstanciais não sejam
usadas. Atualmente, em muitos casos as únicas evidências existentes são
totalmente circunstanciais.
Os
depoimentos do tipo "ouvi fulano falar isso" (o "ouvir
dizer") também não eram admitidos na época. Ainda temos essa regra contra
admitir depoimentos de testemunhas que não estão no tribunal e que não podem
ser examinadas pessoalmente, mas as exceções à essa regra têm demolido as
proteções originais aos acusados.
A regra
"inocente até prova em contrário" que nossas leis reconhecem hoje
(isto é, um acusado é presumido inocente até que sua culpa tenha sido
estabelecida por evidências e pela eliminação de qualquer dúvida razoável)
também vem da lei Judaica e essa era a regra quando Jesus foi injustamente
crucificado.
O acusado de
um crime capital só podia ser julgado durante o dia e em público. Esse era o
precursor da garantia constitucional de um julgamento em público.
Nenhuma
evidência poderia ser apresentada se o acusado não estivesse presente. Isso deu
origem ao atual direito que os acusados têm de estarem face a face com as testemunhas
depondo contra eles.
As
testemunhas não tinham que jurar. O mandamento "Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo" era considerado suficiente para deter o perjúrio.
Mentir na corte era perjúrio - sob juramento formal ou não.
E mais
ainda, havia dois desestímulos adicionais ao perjúrio: (1) qualquer testemunha
em um caso de crime capital que desse falso testemunho recebia a pena de morte:
e (2) se o acusado de um crime capital fosse condenado, as testemunhas eram
obrigadas a assistir à execução. Sob essa provisão da lei, as testemunhas
geralmente escolhiam suas palavras cuidadosamente e só davam testemunho com
grande cuidado !
O Grande
Sinédrio, a Suprema Corte Judaica, era a única corte com jurisdição sobre
crimes puníveis com a morte. A criação do Sinédrio é atribuída à Moisés. Foi
uma corte de 70 membros composta de um Sumo Sacerdote como juiz principal, uma
Câmara Religiosa de 23 sacerdotes,uma Câmara Legal de 23 escribas, e uma Câmara
Popular de 23 anciãos.
Era a essa
corte a que Jesus se referia quando disse que devia ir a Jerusalém e sofrer nas
mãos dos anciãos, sacerdotes e escribas. Ele sabia que pela decisão deles ele
seria morto.
Extremo
cuidado era usado para selecionar os juízes dessa grande corte. Cada um devia
ter pelo menos 40 anos de idade com experiência em pelo menos 3 cargos de
dignidade gradativamente maior. Cada um tinha que ser uma pessoa de integridade
incontestável e tido em alta estima por seus conterrâneos.
Membros do
Sinédrio atuavam como juízes e jurados. Eles não tinham um júri separado.
Qualquer membro com interesses ou conhecimento pessoal das partes era requerido
que se retirasse do julgamento. A Corte tinha que decidir a questão da culpa ou
inocência apenas com evidências apresentadas no tribunal.
O Sinédrio
era encarregado sob a lei rabínica de proteger e defender o acusado. Nenhum
membro da corte poderia atuar inteiramente como acusador ou promotor. A lei requeria
que a corte desse aos acusados o "benefício da dúvida" e para ajudar
o acusado a estabelecer sua inocência.
Os
procedimentos de julgamento eram similares aos nossos. Seguindo-se à audiência
preliminar, um sumário das evidências era dado por um dos juízes. Os
espectadores eram então removidos do tribunal e os juízes votavam. Uma maioria
era suficiente para condenar ou absolver. Se uma maioria votasse pela
absolvição, o julgamento terminava e o condenado recebia a liberdade total. Se
uma maioria votasse pela condenação, então um procedimento diferente era
seguido.
Nenhum
anúncio de veredicto poderia ser feito nesse dia. A corte teria que adiar por
um dia inteiro. Os juízes recebiam permissão para voltarem às suas casas mas
não poderiam ocupar suas mentes em quaisquer atividades sociais ou de negócios.
Eles tinham que devotar seu tempo inteiro para a consideração e reconsideração
solene das evidências e retornar no dia seguinte para votar de novo.
Nesse
segundo dia, qualquer juiz que houvesse votado pela absolvição não poderia
mudar seu voto, mas qualquer juiz que, na primeira votação, houvesse julgado o
acusado como "culpado" poderia mudar seu voto.
Durante esse
tempo, o acusado ainda era presumido inocente.
Uma outra
provisão peculiar da lei Judaica era de grande importância, porque um veredicto
unânime de culpa resultava na absolvição do acusado! Isso derivava do dever que
a corte tinha de proteger e defender o acusado. A lei Mosaica estabelecia que
desde que algum membro da corte tinha que fazer a defesa do acusado, um
veredicto unânime de culpa indicava que ninguém teria feito essa defesa, que
poderia ter havido uma conspiração contra o acusado, e que ele não teria tido
um amigo ou defensor. Tal veredicto unânime era inválido e tinha o efeito de uma
absolvição.
Israel não
era uma democracia com Igreja e Estado separados, mas uma teocracia com Igreja
e Estado entrelaçados como uma coisa só. Muitos acreditam que os altos
sacerdotes ordenaram a prisão e julgamento ilegal de Jesus, que eles foram quem
subornaram Judas, que eles sozinhos é que se sentiram ameaçados pelos
ensinamentos de Jesus em público, e que eles sozinhos é que buscaram a morte de
Jesus.
A prisão foi
ilegal porque ela veio de noite, em violação à lei. Ela foi efetuada através
das atividades do conspirador Judas Iscariotes em violação à lei rabínica. Ela
não foi resultado de um mandado legal, novamente em violação ao código Mosaico.
Os guardas romanos que prenderam Jesus no Jardim de Gethsemane e o trouxeram ao
tribunal do Sumo Sacerdote não tinham uma ordem de prisão legal.
O julgamento
noturno é uma evidência adicional de conspiração contra Jesus por esses
sacerdotes cuja hipocrisia o Carpinteiro denunciava publicamente. Sob a lei do
Sinédrio, o primeiro passo deveria ter sido a audiência prévia com a leitura
das acusações para o réu em uma corte aberta. O registro (incluindo os escritos
de Mateus, Marcos, Lucas, João, Josephus, Philo e os Manuscritos do Mar Morto)
não menciona nenhum audiência prévia. E eu assumo que Mateus, Marcos, Lucas e
João são testemunhas com credibilidade. Nós podemos crer em seus testemunhos.
O registro
diz que a corte procurou testemunhos falsos contra Jesus para justificar
condená-lo à morte, mas da primeira tentativa não conseguiram, apesar dos
vários testemunhos falsos que surgiram.
Houve
perjúrios entre eles, mas ninguém estava disposto a arriscar a terrível
conseqüência de mentir contra um homem acusado de crime capital.
Mas
finalmente surgiram duas falsas testemunhas, e nos disseram Mateus e Marcos que
ambos os testemunhos não concordam entre si. A primeira testemunhou para
acusação de blasfêmia dizendo que Jesus havia dito "Eu sou capaz de
destruir o Templo." A segunda testemunhou que Jesus havia dito "Eu
vou destruir esse Templo."
Não houve
outras testemunhas além dessas duas, e elas não concordavam entre si. Jesus
deveria ser absolvido ainda antes de ser questionado em sua defesa... e
certamente sem ser obrigado a testemunhar contra si próprio.
Porém, o
sumo sacerdote Caifás invocou Jesus para que se defendesse (contrariando a
lei). "E, levantando-se, o sumo sacerdote no sinédrio perguntou a Jesus,
dizendo:Nada respondes? Que testificam
ti?" Jesus não respondeu.
Em vez de
proteger e defender o acusado como requerido pela lei deles, o próprio sumo
sacerdote se tornou o acusador, em franca violação das regras do julgamento.
"Conjuro-te pelo Deus vivo", ele gritou, "que nos digas se tu és
o Cristo, o Filho de Deus !"
Agora,
coloquemo-nos na posição de um carpinteiro humilde diante dos homens mais
poderosos do país, no maior tribunal da nação. É difícil imaginar quão grande
foi a coerção e a pressão !
Embora Jesus
pudesse continuar em silêncio, ele decidiu falar. "Se vo-lo disser, não o
crereis, e também, se vos perguntar, não me respondereis."
Os
sacerdotes novamente perguntaram "És tu o Filho de Deus ?"
A resposta
de Jesus foi apenas "Vós dizeis que eu sou."
Caifás então
anunciou à Corte "De que mais testemunho necessitamos? pois nós mesmos o ouvimos
da sua boca."
O resto dos
homens daquela corte terrível, ouvindo essas palavras ditas pelo seu sumo
sacerdote, ilegalmente confirmaram seu julgamento gritando "É réu de morte
!"
A primeira
audiência diante do Sinédrio foi concluída por volta das três da manhã. A Corte
só adiou o julgamento até o nascer do sol, embora a lei exigisse que cada um
deles deliberasse a sós por um dia inteiro antes da segunda audiência.
Eles
retornaram apenas algumas horas depois, ao amanhecer. Lucas nos conta "E
logo que foi dia, ajuntaram-se os anciãos do povo, e os principais dos
sacerdotes e os escribas, e o conduziram ao seu concílio." Essa sessão foi
superficial. Nenhuma testemunha foi invocada. Novamente a lei foi violada ao se
exigir que Jesus respondesse à questão repetida "És tu oFilho de Deus
?"
E novamente
Jesus respondeu "Tu o disseste", e então acrescentou "Digo-vos,
porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e
vindo sobre as nuvens do céu."
Diante
disso, a corte gritou "Para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que
bem ouvistes agora a sua blasfêmia."
A votação
foi feita, os votos dos juízes foram contados, e Marcos nos conta "TODOS o
consideraram culpado de morte." A importância disso reside naquela
provisão peculiar da lei Judaica que requeria a absolvição se houvesse
veredicto unânime.
Sob a lei
Judaica, a morte por apedrejamento era a sentença apropriada para uma ofensa
capital. O povo Judeu não crucificava e esse método de executar a pena de morte
era de origem Grega ou Romana. Os Judeus executavam os condenados por
apedrejamento, decapitação ou estrangulamento de acordo com a natureza do
crime. Para a blasfêmia era prescrita a morte por apedrejamento.
No entanto,
o exército Romano que ocupava Jerusalém na época era o único com poder de
anunciar e executar sentenças de morte. O Sinédrio tinha apenas autoridade para
levantar a acusação perante um magistrado Romano ou governador militar, o qual
tinha o dever de rever o processo inteiro em um julgamento separado tendo poder
para decidir. Portanto, "logo ao amanhecer, os principais dos sacerdotes,
com os anciãos, e os escribas, e todo o Sinédrio, tiveram conselho; e, ligando
Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos."
Normalmente
se diz que o reino de Judah nos deu a religião e a Grécia nos deu as artes, mas
Roma nos deu as leis. O sistema judicial Romano era incomparável em matéria de
jurisprudência, mas Pilatos não seguiu o sistema Romano. Ele não exerceu julgamento
independente de acordo com a lei mas cedeu às pressões políticas dos sacerdotes
Judeus, violando assim a própria lei que ele estava encarregado de fazer
cumprir.
Sua história
é um exemplo de como os juízes devem ser sempre livres de pressões políticas,
livres para decidir os casos baseando-se apenas na lei e nas evidências. Como
Procurador Imperial na Jerusalém ocupada pelos Romanos da época, Pilatos tinha
o dever legal de rever todas as evidências e procedimentos nos casos capitais
trazidos até ele pelos líderes Judeus. Ele foi um bom juiz (até que a segurança
de seu cargo foi ameaçada pela política).
Os
sacerdotes levaram Jesus para a entrada do palácio de Pilatos (Eles não
poderiam entrar porque se tornariam impuros, sendo uma época de Páscoa.)
Pilatos foi
até eles dizendo "Que ACUSAÇÃO trazeis contra este homem?".
Essa
pergunta é importante porque demonstra a intenção de Pilatos em levar o caso
como um julgamento à parte desde o início, começando a julgar a própria
acusação. Ele não perguntou "Vocês condenaram esse homem de quê?",
mas em vez disso perguntou quais eram as acusações.
Os
sacerdotes sabiam a importância da pergunta de Pilatos, então eles responderam
indiretamente "Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos." Em
outras palavras, Pilatos perguntou "qual a acusação contra este homem
?" e os sacerdotes responderam "se ele não fosse culpado não estaria
aqui !"
Pilatos
percebeu essa tentativa de limitar sua jurisdição e induzi-la a agir de acordo
com a vontade deles. Isso o irritou e ele revidou:
"Levai-o
vós, e julgai-o segundo a vossa lei !" Os sacerdotes foram então forçados
a admitir "A nós não nos é lícito matar pessoa alguma."
Tentemos
entender o dilema desses sacerdotes em violação às leis. Se eles apresentassem
Jesus como um homem condenado por blasfêmia com o depoimento de apenas duas
testemunhas que não concordaram entre si, Pilatos reverteria o veredicto. Se
eles apresentassem Jesus como alguém condenado por sua própria confissão,
Pilatos também dispensaria o veredicto. E, é claro, se eles informassem que
Jesus havia sido condenado por votação unânime, Pilatos entraria com um
veredicto de absolvição.
Então, os
maliciosos sacerdotes apresentaram Jesus a Pilatos sob uma nova acusação que
eles inventaram naquele momento: traição contra César. "Havemos achado
este, pervertendo a nossa nação", disseram eles,"proibindo dar o
tributo a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei."
Pilatos
chamou Jesus para dentro do palácio e o perguntou em privado "Tu és o rei
dos Judeus?" E Jesus perguntou a Pilatos para saber a origem da nova
acusação:"Tu dizes isso de ti mesmo, ou to disseram outros de mim ?"
Pilatos
replicou "a tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a
mim", explicando com isso de onde havia sido originada aquela acusação de
traição.
Era uma
coisa plausível que um Judeu acusasse um Romano de traição ou que um Romano
acusasse um Judeu, mas naquele momento eram os Judeus mais proeminentes da
nação acusando um de seus conterrâneos de crime de traição contra Roma !
Jesus disse
a Pilatos "O meu reino não é deste mundo."
E Pilatos
insistiu "Logo tu és rei ?"
Jesus
respondeu "Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao
mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a
minha voz."
Pilatos
então fez a famosa pergunta "Que é a verdade ?"
Jesus não
deu resposta alguma senão a presença silenciosa de Si, o cordeiro levado ao
sacrifício por mentirosos, de forma que Pilatos saiu para onde os sacerdotes
estavam e, de acordo com João, pronunciou sua absolvição enfática do
carpinteiro Nazareno. Ele disse a eles "Não acho nele crime algum !"
Até então,
Pilatos havia seguido a lei à risca. A lei era boa. A lei teria libertado Jesus
mas pela persistência desses maldosos sacerdotes que não se importavam em nada
com as leis pelas quais eles mesmos governavam a terra e seus habitantes.
Era
intolerável para esses inimigos da verdade que seu complô assassino fosse
frustrado dessa maneira. Os sacerdotes soltaram rugidos de indignação
"Alvoroça o povo ensinando por toda a Judéia, começando desde a Galiléia
até aqui."
Essa
acusação era a de sedição (revolta, motim, crime contra o Estado), que era
menos odiosa que a traição. Ela exigia a prova de uma motivação corrupta para a
condenação, mas ainda nenhum motivo maldoso se pode provar que existira em
Jesus.
Pilatos
ignorou essa acusação, mas com a referência à Galiléia, ele encontrou uma
oportunidade de escapar do que o esperava. Herodes, o Tetrarca da Galiléia,
estava em Jerusalém para a Páscoa. Pilatos viu nisso uma chance de transferir a
responsabilidade para Herodes, que tinha jurisdição para julgar acusações de
sedição. Jesus era Galileu.
Os
sacerdotes aprovaram essa ação porque eles pensavam que Herodes faria o que
eles quisessem, para ganhar seus favores.
Jesus foi
arrastado até o palácio de Herodes, onde as acusações de traição e sedição
foram reiteradas.
Herodes,
contudo, não se impressionou. Ele havia ouvido a respeito dos ensinamentos de
Jesus e o questionou, mas quando Jesus se recusou a responder (um direito de
todo acusado), Herodes colocou nele uma túnica branca e o mandou de volta a
Pilatos sem dar uma decisão. Se esse procedimento irregular tivesse qualquer
status legal, ele levaria a uma nova absolvição. Pilatos concordou.
Lucas nos
conta que, quando os sacerdotes trouxeram Jesus de volta do palácio de Herodes,
Pilatos saiu de encontro a eles e disse "Haveis-me apresentado este homem
como pervertedor do povo; e eis que, examinando-o na vossa presença, nenhuma
culpa, das de que o acusais, acho neste homem. Nem mesmo Herodes, porque a ele
vos remeti, e eis que não tem feito coisa alguma digna de morte. Castigá-lo-ei
pois, e soltá-lo-ei."
Notemos que
Pilatos naquele momento cometeu um erro. Ele declarou "Esse homem é
inocente. Herodes o julgou inocente e eu o julguei inocente. Eu vou, portanto,
castigá-lo e soltá-lo !" Mas que autoridade legal tinha Pilatos para
castigar um homem inocente? Por que ele fez isso ?
Apesar de
contrária à lei Romana, eu creio que Pilatos fez isso na esperança de que o
castigo deixaria os sacerdotes satisfeitos de modo que eles cessariam suas exigências
de morte. Assim, Pilatos ordenou de
Jesus, não com uma punição branda, mas com o açoitamento até quase matar, com
tiras de couro embutidas com pedaços de chumbo !
A imposição
desse açoitamento ilegal foi, em si, um impedimento para punições ainda piores.
Qualquer punição adicional violaria as leis tanto de Roma como de Israel, que
estabeleciam que, já tendo o acusado sido condenado e punido, ele não poderia
ser julgado novamente pelo mesmo crime.
João diz que
"desde então Pilatos procurava soltá-lo", mas Jesus foi levado ao
quartel dos soldados e despido de sua túnica branca que havia sido dada por
Herodes, foi coberto com uma capa púrpura, coroado com uma guirlanda de
espinhos, dado uma cana como cetro, e levado para ser confrontado pelos irados
sacerdotes novamente.
Pilatos
anunciou "Eis aqui o homem."
Os
sacerdotes responderam "Crucifica-o!" Tudo isso por ter Jesus
desafiado a autoridade daqueles homens que estavam dispostos a violar as leis
para causar sua morte, homens que por esta razão corromperam sua própria
autoridade.
Pilatos
então disse "Tomai-o vós, e crucificai-o; porque eu nenhum crime acho
nele." Ali estava um juiz de leis dizendo "este homem é inocente, mas
vocês podem matá-lo se o quiserem."
É claro que
isso não satisfez os sacerdotes. Eles não ousariam crucificar Jesus sem uma
aprovação inequívoca de uma autoridade Romana, porque fazer isso os sujeitaria
a uma represália, possivelmente até a morte, nas mãos dos Romanos.
"Nós
temos uma lei", eles insistiram, "e, segundo a nossa lei, ele deve
morrer porque se fez Filho de Deus." E ao dizer isso, eles revelaram a
Pilatos que sua verdadeira queixa contra Jesus era, na verdade, a acusação de
blasfêmia.
Pilatos, que
não havia ouvido ainda essa acusação, mais uma vez levou Jesus à parte e
perguntou "Donde és tu?" Essa era a equivalente às nossas modernas
perguntas "De onde você vem? Qual é a sua intenção?" Pilatos queria
saber o que Jesus poderia ter feito para enraivecer tanto os sacerdotes ao
ponto de violarem as leis sagradas de sua nação para condená-lo à morte
ilegalmente.
Jesus não
respondeu nada. Pilatos então vociferou "Não me falas a mim? não sabes tu
que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?"
Jesus apenas
respondeu "Nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse
dado."
Pilatos
novamente procurou soltar Jesus, mas os sacerdotes enraivecidos exclamaram
"Se soltas este, não és amigo do César." Essa era uma ameaça à
Pilatos. Poderia haver graves conseqüências se a mais alta corte de Israel
denunciasse Pilatos à César. Pilatos sentiu que uma interpretação errada de seu
julgamento poderia chegar aos ouvidos de César. Ele poderia ser visto como se
estivesse protegendo alguém que era considerado pelos mais influentes de seus
conterrâneos como culpado de traição. Pilatos não teve a coragem de lutar pela
justiça contra esses sacerdotes coléricos.
Foi então
que a esposa de Pilatos lhe enviou uma mensagem: "Não entres na questão
desse justo."
Seu apelo
levou Pilatos a tentar um último esforço para salvar Jesus sem arriscar seu
cargo. Era costume durante a Páscoa de libertar um prisioneiro escolhido pelo
povo. Pelo voto popular, as pessoas poderiam conceder anistia a qualquer um
sentenciado à morte.
Eu vejo esse
como um dos mais dramáticos momentos de toda a História, mas muito do drama
passou despercebido pelos autores e dramaturgos, e uma lamentável confusão
resultou em 2000 anos de animosidade desnecessária entre Cristãos e Judeus.
Foram os sacerdotes Judeus que buscaram a morte de Jesus, não o povo.
O nome
Barrabás em Hebraico significa filho de Abás. Pedro era referido por Mateus
como "Pedro bar Jonas", isto é, Pedro filho de Jonas. Bar Mitzvah é
traduzido literalmente como Filho da Lei. O nome de Barrabás também era
Jesus:Jesus Barrabás.
A pergunta
de Pilatos aos sacerdotes foi "Qual quereis que vos solte? [Jesus]
Barrabás, ou Jesus chamado Cristo ?"
Eles
clamaram, é claro, pela libertação de Barrabás, o notório ladrão e assassino.
"Que
farei então de Jesus, chamado Cristo ?", perguntou Pilatos.
Eles
gritaram "Seja crucificado!"
"Hei de
crucificar o vosso rei?", perguntou Pilatos.
E aqueles
sacerdotes (que odiavam César como só os povos conquistados podiam odiar)
disseram a Pilatos "Não temos rei senão o César !"
Pilatos
enfraqueceu diante daquela ferocidade implacável e entregou Jesus para que o
crucificassem. Ele tomou uma bacia de água diante dele, lavou suas mãos nela e
anunciou "Estou inocente do sangue deste justo: considerai isso."
Pilatos
mandou gravar na cruz "Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus".
Caifás e os
outros sacerdotes foram a Pilatos e pediram "Não escrevas 'Rei dos
Judeus', mas que ele disse 'Sou Rei dos Judeus'." E Pilatos respondeu
"O que escrevi, escrevi."
Jesus foi
julgado desde antes de sua audiência. Ele foi acusado de três crimes separados.
Os sacerdotes do Sinédrio o condenaram ilegalmente por blasfêmia. Pilatos se
recusou a reconhecer esse procedimento inicial. Pilatos, por duas vezes,
absolveu Jesus da acusação de traição. Ele foi acusado de sedição diante de
Pilatos e Herodes mas foi absolvido por ambos. E ainda assim, Jesus foi
executado porque pretensamente se assumiu que ele havia sido considerado
culpado de traição. Ameaçado com a possível perda de seu cargo, Pilatos
escolheu crucificar Jesus como a maneira mais fácil de calar os coléricos
sacerdotes.
Antes das
doze horas daquele mesmo dia, Jesus foi crucificado em violação às leis de
Israel e Roma, fechando o mais tenebroso capítulo da história da administração
judicial e invocando o supremo chamado que o mundo jamais ouvira para que
humanos obrassem pela justiça. Dois dos sistemas de leis mais esclarecidos que
existiram foram prostituídos para destruir o homem mais inocente que já passou
pela face da Terra.
Essa
história nunca vai morrer, porque de sua verdade sempre nasce a esperança de
toda a humanidade. Mais do que qualquer outro episódio na história do mundo, o julgamento
de Jesus clama a todos os homens e mulheres de boa vontade para que trabalhem
por um sistema de governo humano pelo qual possamos viver juntos em paz e
segurança sob um Estado de Direito administrado com reverência pela Verdade e
pelo Amor Caridoso.
Hon. Harry
Fogle
Editado por
Frederick Graves, JD
(tradutor
para português: anônimo)
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