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7 de jun. de 2016

Eu, essénio na Palestina



































Estávamos cansados – nós e os cavalos – naquele entardecer vermelho no deserto próximo ao Mar Morto. Atrás de nós um rastro de sangue “mouro” dava conta de que estávamos levando “ao reino dos minaretes a paz na ponta dos aríetes, a conversão para os infiéis”.

Os gritos das mulheres e crianças esquartejadas perdia-se na fumaça negra das vilas pelo caminho incendiadas. Éramos a elite dos soldados de Cristo a serviço dos reis, cavaleiros consagrados diante do altar para levar a palavra de Deus na ponta da espada.

Mas agora estávamos cansados... nós e os cavalos. Apeamos em local inadequado; descuidados, aquecemo-nos nas chamas da fogueira, sem atentar para a fumaça que denunciava nosso paradeiro. Recordo-me que pesava-me os olhos da fadiga e que alguns companheiros já cochilavam naquele acampamento improvisado à beira da estrada. E não recordo mais nada...

Adormeci sentado, escorado a uma pedra, ainda de elmo e malha de aço. O braço pendia apoiado à espada que eu não teria tempo de empunhar novamente. Os inimigos caíram sobre nós sorrateiros e meus irmãos mais ligeiros jogaram-se, ainda zonzos, sobre o fio curvo das cimitarras.

Quis o destino, talvez YHWH, que eu – e somente eu – sobrevivesse à investida dos pardos, para implorar à morte sem ser atendido.

Tendo por referência nossos próprios hábitos, aguardei ansioso o início dos suplícios reservados aos inimigos capturados vivos. Mas estes nunca chegaram.

Surpreendentemente fui tratado com respeito, a despeito de tudo que havia feito até ali para aquele povo. Não fosse a espada ausente, nada me faltava e sequer se notava que era prisioneiro daquela gente. Eu não sabia, apenas suspeitava, que a invasão cristã continuava. Mas aquele labirinto de cavernas, aquela vila esculpida nas pedras, apenas nos séculos vindouros seria encontrada.

Com eles aprendi aramaico, hebraico e grego; não se comia nenhum tipo de animal e comer exigia todo um ritual; não havia cores nas vestes e ninguém era dono de nada; e, quando pretendiam oferendar a Deus alimentavam algum faminto, fosse homem ou animal. Deus este que, por sinal, habitava tudo que não fosse arte humana, era venerado em tudo que havia de natural.

Era um povo sem nome; chamavam-lhes, os outros, de o “povo piedoso”, e também de nazarenos.

Um dia me perguntaram por que eu ainda estava lá, se não pretendia voltar para a minha terra, para junto dos meus. Respondi-lhes que havia sido capturado e feito prisioneiro. E cada um que passava era chamado para me ouvir repetir o que havia dito, e isto foi por todo um dia a     grande piada da aldeia, e todos riram.

Explicaram-me que jamais nos atacaram. Apenas acercaram-se de nosso acampamento, devidamente armados, o que era próprio daquele tempo em que estrangeiros andavam a dizimar vilas inteiras por lá, e reagiram à reação dos cruzados recém despertos que se jogaram sobre eles. Muito lhes custou ter matado aqueles seres. Disseram-me que ali não se permitia espadas, mas que poderia reaver a minha assim que decidisse retomar minha jornada.

Eu nunca quis!

Ali permaneci até o fim daquela e ainda outras tantas vidas. Até que nenhum deles restou sobre a terra. Já não estavam mais submetidos aos ciclos da matéria. Foi quando voltei a nascer entre os brancos: incialmente no Velho Continente, agora aqui, no fim do fundo da América do Sul. 

Do povo a que escolhi pertencer não restam remanescentes. Mas há ainda a região, povos irmãos, que vem sendo expulsos e dizimados como um dia eu também tentei fazer, por soldados como eu fui, a serviço dos reis. Eu, há muitos séculos desertei e hoje sirvo à uma outra Lei.


Lá onde cheguei homem e me tornei menino; Lá onde desaprendi tudo que agora sei; Lá onde morri antes de nascer, onde amei e me desenvolvi enquanto Ser, hoje é lar de um povo que eu muito estimo: YHWH abençoe a resistência do povo de Alah; Luz e Força ao povo palestino!

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