Serenidade, Humildade e Paciência, eis a ciência do tal
Maneco.
Em um tempo remoto, este negro tornou-se devoto de uma fé diferente
daquela que trazia originalmente... Eram tempos de açoites e correntes!
Felizmente, tempos idos, e embora não tenha sobrevivido,
compreende, perdoa seus algozes e preserva a fé nos Orixás e em São Benedito, o
franciscano preto e pobre que furtava alimentos ao convento para distribuir
entre os desvalidos.
Talvez seja por isso o crucifixo de madeira entre as contas,
na ponta de sua guia colorida... Talvez esteja ali por algum outro motivo.
Em vida foi curandeiro, misturador de beberagens e
emplastros, conhecedor dos astros, farejador de rastros e astuto feiticeiro.
Mais não diz de seu passado que lhe trouxe até o presente, importa olhar pra
frente sem esquecer o aprendizado.
A Fé e a Evolução são seus assuntos preferidos. Recomenda a
cada filho que olhe com carinho as pedras no caminho. “Todo caminho tem pedras,
afinal, e aprender a contorna-las de acordo com a situação é o nosso
aprendizado. Se por cima ou por baixo, ou ainda pelos lados, o obstáculo ultrapassado
renova a Fé e ensina sua lição.”
“O Pai educa os filhos com amor: não há de colocar
empecilhos que não possam ser superados. Se o fardo parece por demais pesado,
há que se fortalecer os ombros. O lombo fica mais forte, aguente agora o
chicote que quando passar a dor o amor vai curar as feridas. É com coragem que
se enfrenta a vida, é com Fé que se prepara a morte.”
Maneco sempre me lembra que a caminhada é contínua: “a vida
vem de outra vida, e de outra e outra e outra... E entre elas também há vida!
Há de chegar o dia em que essa guia de contas unidas por um único fio será,
enfim, percebida. Pode confiar! A vida é uma só, mas dividida em muitas idas e
vindas, nas lições das lidas. Cada um renasce com sua bagagem, sua aprendizagem
e suas dívidas... Até não precisar mais da carne pra aprender, e só então
poderá ver o conjunto todo dessa vida assim tão cumprida.”
Essas coisas assim, embora com outras palavras, Maneco vai
soprando em meu ouvido, e eu repito, agradecido. Lhe empresto os lábios para
que seu sopro faça-se voz. A mansidão de sua fala cala fundo em quem lhe dá
ouvidos, mas quem mais aprende é quem ensina! Quem repete a ladainha um dia
escuta a própria voz, e a dele se confunde com a minha quando ele e eu somos
nós.
Pai Maneco de Aruanda é uma dádiva para quem, como eu, tem
tantas dívidas. Desconheço os caminhos deste labor que, sendo eu seu aprendiz e
mediador, faz do banquinho à sua frente uma escola onde se revezam mestres diferentes.
Tão humilde essa gente que se senta diante do velho escravo sem saber que
ensina mais que aprende.
Lhe sou tão grato, meu Pai Preto, meu Pai Velho... Se mil
alfarrábios, tantos filósofos, sábios, todos os evangelhos, não fixaram em mim
o conhecimento, os momentos em que estou contigo me ensinam inolvidável lição:
É importante sim, toda leitura, mas para conhecer a verdadeira escritura é
preciso ler a Criação! É saber curvar-se humildemente e, frente à frente com um
irmão, esforçar-se para compreender o que lhe vai no coração. Para isto não há
literatura. Há que olhar os olhos com amor e respeito, há que se abrir o peito
e deixar entrar o que quer sair de qualquer jeito.
Pai Maneco tem me ensinado que em todo lado há aprendizado e
se alguém foi colocado à minha frente, a troca é iminente. Se eu estiver
aberto, é certo que compreenderei e, compreender é o jeito mais sábio de
aprender. Com ele estou aprendendo a não julgar e a nunca menosprezar ninguém.
Aprender e ensinar é tudo o mesmo, é um vai-e-vem da Verdade que não pertence à
ninguém e por isso alcança a todos. Verdade que vem de antes e de depois, que
habita em cada um, que vem do aquém e do além.
Muito obrigado, meu amigo! Muito obrigado, meu irmão! Que
este convívio contigo siga profícuo e que eu absorva cada lição!
Diego Silva
13 de maio de 2014 – Dia de Preto Velho