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15 de nov. de 2014

Por quê sou Umbandista

15 de novembro, dia da Umbanda



Pluricultural, miscigenada e sincrética como o povo do país em que foi gerada, a Umbanda surge para promover a democracia religiosa e conta, já em seu surgimento, com a participação de espíritos de diferentes matrizes e matizes, representantes de diferentes culturas, religiões, regiões, países, idiomas e níveis evolutivos. Este é, inclusive, o pretexto que utiliza o Caboclo das Sete Encruzilhadas ao anunciar a fundação de uma nova religião onde todos seriam bem-vindos e onde seria praticado "o bem sem olhar a quem".

Especula-se que as primeiras manifestações daquilo que viria a se tornar - oficialmente em 1908 - a primeira religião genuinamente brasileira ocorreram a partir de 1865, simultaneamente, em médiuns de diferentes religiões e regiões do país. As diferentes religiões fundamentadas no culto aos Orixás trazidas para o Brasil juntamente com os africanos escravizados foram, em solo brasileiro, sofrendo alterações, misturando-se e confundindo-se umas com as outras na busca de uma unidade religiosa afrobrasileira. O sicretismo - necessário para a continuidade da fé nos Orixás, então proibida por lei - os aproximou do cristianismo enquanto a mediunidade os aproximou da cultura indígena e do Adjunto de Yuremá raticado por estes.

Os índios, habitantes deste continente há milênios, possuiam sólida organização social e praticavam religiões fundamentadas na harmonia com a natureza e na reverência aos ancestráis. Nisto tudo, e  mesmo nos aspectos sociais, encontrariam muito mais afinidades com os negros [sua cultura e religiosidade que com os europeus colonizadores. No aspecto religioso, além de divindades ligadas à natureza, havia o "transe mediúnico" comum à ambas as etnias.

Se, por um lado, foram as semelhanças que aproximaram as religiões indígenas daquelas trazidas da África, foram as diferenças que proporcionaram o surgimento de uma terceira via religiosa miscigenada: Na África cultuavam-se os ancestráis mortos sem comunicação mediúnica com estes, sendo o transe mediúnico destinado à manifestação das divindades neturais [da natureza] enquanto na religiosidade ameríndia ocorria o inverso; cultuavam-se as divindades naturais em comunicação mediúnica com estes, sendo o transe mediúnico destinado à manifestação dos ancestrais.

É assim que, por volta de 1865, começam a se manifestar dentro dos terreiros das religiões afrobrasileiras e dos centros espíritas os ancestrais indígenas e africanos, apresentando-se como caboclos e pretos velhos, respectivamente, e associados hierarquicamente aos Orixás [divindades naturais]. Começa a se desenhar o nascimento da Umbanda.

Quando em 1908 o Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do médium Zélio de Moraes, anuncia em uma reunião da associação espírita carioca que irá fundar uma nova religião, em sua primeira fala ele se posiciona contra o preconceito social e racial ali praticado:

"Por que repelem a presença dos citados espíritos, se nem sequer se dignaram a ouvir suas mensagens? Seria por causa de suas origens sociais e da cor?"

Após um vidente ver a luz que o espírito irradiava perguntou:

"Por que o irmão fala nestes termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? Por que fala deste modo, se estou vendo que me dirijo neste momento a um jesuíta e a sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual o seu nome meu irmão?"

Ele responde:

"Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho, para dar início a um culto em que estes pretos e índios poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem saber meu nome que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim."

No dia seguinte, pontualmente às 20h, o Caboclo das Sete Encruzilhadas disse aos presentes na primeira "sessão de Umbanda" a ocorrer sob este nome:

"Aqui inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos velhos africanos, que haviam sido escravos e que desencarnaram não encontram campo de ação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase que exclusivamente para os trabalhos de feitiçaria, e os índios nativos da nossa terra, poderão trabalhar em benefícios dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A prática da caridade no sentido do amor fraterno será a característica principal deste culto, que tem base no Evangelho de Jesus e como mestre supremo Cristo".

Assim podemos compreender que a Umbanda traz em suas raízes a cultura africana, ameríndia e cristã, esta ultima ligada ao catolicismo através do sincretismo e ao espiritismo através da doutrina codificada por Alan Kardec. Entendemos ainda que se fundamenta na igualdade entre os humanos, no respeito às diferenças, na caridade e na humildade enquanto prática religiosa e não somente enquanto doutrina e recurso de retórica.

Para uma religião 106 anos de existência é um tempo muito curto para sua consolidação. Se observarmos as diferentes maneiras como a Umbanda é praticada entenderemos que a Umbanda ainda não pode ser definida para além dos rpincípios que a originaram,pois ainda se encontra em fase de "construção", de experimentações, tentativas e erros, e de assimilação de suas influências originais e daquelas que vem sendo agregadas ao longo do caminho.

Dentre os frequentadores [os fiéis da Umbanda] encontramos pessoas de todas as classes sociais e origens etnicas e religiosas, além de toda e qualquer orientação sexual. Não há discriminação e tampouco estas pessoas são questionadas acerca de outras práticas religiosas, podendo frequentar simultaneamente diferentes cultos.

Dentre os espíritos que se manifestam na Umbanda a pluralidade cultural, religiosa e etnica também é a característica fundamental. Índios, negros, europeus, asiáticos, medio-orientais, assim como budistas, muçulmanos, cristãos, xamanistas, ciganos, além de marinheiros, boiadeiros, guerreiros, crianças, velhos, Exus e toda sorte de espíritos em condições de ajudar ou de ser ajudado.

Embora exista ma hierarquia funcional na condução dos trabalhos espirituais e mesmo na administração material dos templos [chamados terreiros, choupanas, tendas, centro, etc.], se organiza horizontalmente, sem uma hierarquia vertical, onde cada templo é início e fim em si mesmo.

É por conta do princípio da igualdade fundamentado no amor ao próximo e no respeito às diferenças que, acredito, a primeira religião genuinamente nascida no chamado "país do futuro" será, também, a "religiãodo futuro". E é também por isto que me declaro umbandista, praticante de uma religião em formação, onde todos são bem-vindos e chegam para somar com sus conhecimentos, cultura e habilidades.

Diego Silva - 15/11/2014

13 de mai. de 2014

Para um amigo querido, no dia de Preto Velho





Serenidade, Humildade e Paciência, eis a ciência do tal Maneco.

Em um tempo remoto, este negro tornou-se devoto de uma fé diferente daquela que trazia originalmente... Eram tempos de açoites e correntes!

Felizmente, tempos idos, e embora não tenha sobrevivido, compreende, perdoa seus algozes e preserva a fé nos Orixás e em São Benedito, o franciscano preto e pobre que furtava alimentos ao convento para distribuir entre os desvalidos.

Talvez seja por isso o crucifixo de madeira entre as contas, na ponta de sua guia colorida... Talvez esteja ali por algum outro motivo.

Em vida foi curandeiro, misturador de beberagens e emplastros, conhecedor dos astros, farejador de rastros e astuto feiticeiro. Mais não diz de seu passado que lhe trouxe até o presente, importa olhar pra frente sem esquecer o aprendizado.

A Fé e a Evolução são seus assuntos preferidos. Recomenda a cada filho que olhe com carinho as pedras no caminho. “Todo caminho tem pedras, afinal, e aprender a contorna-las de acordo com a situação é o nosso aprendizado. Se por cima ou por baixo, ou ainda pelos lados, o obstáculo ultrapassado renova a Fé e ensina sua lição.”

“O Pai educa os filhos com amor: não há de colocar empecilhos que não possam ser superados. Se o fardo parece por demais pesado, há que se fortalecer os ombros. O lombo fica mais forte, aguente agora o chicote que quando passar a dor o amor vai curar as feridas. É com coragem que se enfrenta a vida, é com Fé que se prepara a morte.”

Maneco sempre me lembra que a caminhada é contínua: “a vida vem de outra vida, e de outra e outra e outra... E entre elas também há vida! Há de chegar o dia em que essa guia de contas unidas por um único fio será, enfim, percebida. Pode confiar! A vida é uma só, mas dividida em muitas idas e vindas, nas lições das lidas. Cada um renasce com sua bagagem, sua aprendizagem e suas dívidas... Até não precisar mais da carne pra aprender, e só então poderá ver o conjunto todo dessa vida assim tão cumprida.”

Essas coisas assim, embora com outras palavras, Maneco vai soprando em meu ouvido, e eu repito, agradecido. Lhe empresto os lábios para que seu sopro faça-se voz. A mansidão de sua fala cala fundo em quem lhe dá ouvidos, mas quem mais aprende é quem ensina! Quem repete a ladainha um dia escuta a própria voz, e a dele se confunde com a minha quando ele e eu somos nós.
Pai Maneco de Aruanda é uma dádiva para quem, como eu, tem tantas dívidas. Desconheço os caminhos deste labor que, sendo eu seu aprendiz e mediador, faz do banquinho à sua frente uma escola onde se revezam mestres diferentes. Tão humilde essa gente que se senta diante do velho escravo sem saber que ensina mais que aprende.

Lhe sou tão grato, meu Pai Preto, meu Pai Velho... Se mil alfarrábios, tantos filósofos, sábios, todos os evangelhos, não fixaram em mim o conhecimento, os momentos em que estou contigo me ensinam inolvidável lição: É importante sim, toda leitura, mas para conhecer a verdadeira escritura é preciso ler a Criação! É saber curvar-se humildemente e, frente à frente com um irmão, esforçar-se para compreender o que lhe vai no coração. Para isto não há literatura. Há que olhar os olhos com amor e respeito, há que se abrir o peito e deixar entrar o que quer sair de qualquer jeito.

Pai Maneco tem me ensinado que em todo lado há aprendizado e se alguém foi colocado à minha frente, a troca é iminente. Se eu estiver aberto, é certo que compreenderei e, compreender é o jeito mais sábio de aprender. Com ele estou aprendendo a não julgar e a nunca menosprezar ninguém. Aprender e ensinar é tudo o mesmo, é um vai-e-vem da Verdade que não pertence à ninguém e por isso alcança a todos. Verdade que vem de antes e de depois, que habita em cada um, que vem do aquém e do além.

Muito obrigado, meu amigo! Muito obrigado, meu irmão! Que este convívio contigo siga profícuo e que eu absorva cada lição!

Diego Silva
13 de maio de 2014 – Dia de Preto Velho

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