A Umbanda se mostra, desde o seu nascimento, como uma
religião fundamentalmente de ação, cuja doutrina está sendo revelada gradualmente,
ao mesmo tempo em que atualizações no “modus operandi” das diferentes tendências
dentro da Umbanda exigem novas explicações.
São três os arquétipos basilares da Umbanda: O Sábio, o
Guerreiro e o Puro, representados pelos Pretos Velhos, Caboclos e Crianças,
respectivamente. Cada um tem um papel bem definido dentro do ritual de Umbanda,
cumprindo funções complementares entre si, e é destas funções que trataremos
hoje, dia de São Cosme e São Damião.
Os Pretos Velhos, em sua paciência e sabedoria, são os
responsáveis por recepcionar aqueles que chegam pela primeira vez a um terreiro
de Umbanda. Conhecedores da alma humana para muito além da psicologia terrestre,
estes velhinhos e velhinhas de fala mansa e corpo curvado emprestam seus
ouvidos aos problemas dos seus consulentes, identificando-lhes o comportamento e
introduzindo-os à doutrina umbandista.
Compete a estes espíritos realizarem os
primeiros diagnósticos e encaminharem a alteração do quadro que ali se
apresenta.
Conforme o diagnóstico, o consulente será encaminhado para
trabalhos realizados pelos Pretos Velhos juntamente com os Caboclos e/ou para
demandas durante a sessão de Caboclos.
Os Caboclos, cujas características refletem o vigor do
guerreiro ou a suavidade das Mães d’Água, embora também possuam qualidades
doutrinárias que os capacita a orientar o comportamento dos fiéis de Umbanda,
bem como realizar diagnósticos, ocupam-se, na maioria dos terreiros, de buscar
no “campo astral” do consulente espíritos desequilibrados que estão atuando
sobre estes para realoca-los no caminho evolutivo.
Assim, a doutrina dos caboclos costuma ser dirigida aos
desencarnados, na tentativa de conduzi-los novamente ao caminho da luz pelas
vias do Amor Universal. Quando não conseguem, por não encontrar receptividade e
condições de entendimento no atual estado do espirito obsessor que, atraído até
ali pela força magnética dos Caboclos, se manifesta nos médiuns para recebera
doutrina, estes são encaminhados ao Ogum Megê, comandante da Linha de Exus na
Umbanda. Ali serão paralisados em sua queda evolutiva até que possam retomar o
caminho ascensional através das linhas de trabalho da esquerda (Exus).
Os amigos, leitores do Blog Além da Matéria, talvez estejam
se perguntando onde pretendemos chegar explicando os papéis destes Guias
Espirituais em um texto dedicado a Cosme e Damião, certo? Tenham paciência, já
chegaremos às tarefas desempenhadas pelas crianças...
O médium de Umbanda, versátil por natureza e treinamento,
alterna durante os trabalhos entre distintas faixas vibratórias, incorporando
ora Seres de Luz - cuja vibração sutil força a elevação da vibração do próprio
médium até níveis superiores -, ora seres desequilibrados, habitantes de
regiões inóspitas do astral inferior que necessitam da energia vital e do
choque anímico com o ectoplasma dos encarnados para restabelecer se energeticamente
e alcançar a condição de receber a doutrina por parte dos Caboclos dirigentes.
Nesta tarefa, ao emprestar seu corpo e sua energia para a
revitalização destes espíritos, o médium necessita diminuir temporariamente seu
padrão vibratório e entra em contato estreito com toda sorte de toxidade
trazida dos ambientes umbralinos pelos espíritos dos obsessores que lá habitam.
O desgaste energético, por melhor preparado que seja o
médium, é inevitável, uma vez que ocorre doação de ectoplasma destes para a
manifestação e revitalização energética destes espíritos. Talvez esteja nestes
eventos a verdadeira caridade praticada pelo médium de Umbanda, o desapego e a
aceitação em baixar seu padrão vibratório e doar sua energia para espíritos “infratores”
e desequilibrados, oportunizando-lhes a redenção e o reencontro com o caminho
evolutivo.
Entendido este processo, podemos finalmente adentrar o papel
desempenhado pelos “Cosminhos”, espíritos que se mostram na forma de crianças e
que, aparentemente fazem pouco mais que comer, beber e brincar...
Aparentemente...
Que trabalhador voluntário, por mais esclarecido que fosse,
permaneceria realizando uma tarefa não remunerada que lhes esgota as energias e
lhe prejudica a continuidade de suas tarefas no cotidiano da vida material?
É preciso restabelecer os médiuns que ao longo da noite
permitiram que em si manifestassem-se espíritos sofredores, envoltos em dor
física e moral, aprisionados no ódio e na dor e que, ao serem reencaminhados ao
caminho evolutivo deixam nestes as lembranças de seus sentimentos confusos e de
suas mágoas.
Os Cosminhos, em sua pureza infantil, com sua fome de doces
e salgados, sua sede de sucos e refrigerantes, são hábeis manipuladores da
energia vital, capazes de transmutar a matéria dos alimentos de maneira a
potencializar a eficiência do organismo em retirar dos alimentos sua carga
energética.
Vem daí o gosto exótico em misturar sabores, tão típico nas
crianças e tão raro nos adultos. Sabem eles, melhor que ninguém, o que seus médiuns
necessitam, e tratam de ingerir estes alimentos e combina-los de maneira a
proporcionar a seus “aparelhos” o pronto restabelecimento das energias.
São ainda eles, os Cosminhos, que após uma longa noite
envolta em sofrimentos diversos e sentimentos negativos - desequilibrados e
desequilibrantes - que, com sua doçura e leveza, com seu bom humor e
traquinagens, com sua magia sofisticada e eficiente, apesar de discreta, traz
de volta o riso e a brincadeira perdidos durante a seriedade dos trabalhos de
demanda.
São eles que devolvem a alegria esquecida em meio a tanta
tristeza e sofrimento. São eles que nos envolvem com Amor e Carinho após o contato
com tanto ódio dentro de nós, trazido pelos espíritos que permitimos a manifestação
através do trabalho e da caridade mediúnica.
Em contato com os fiéis, estes espíritos que se manifestam
na forma de crianças estimulam o Amor Fraternal e Universal desprovido de
interesses terceiros, harmonizam energias, atuam na saúde física, mental e
espiritual... E, principalmente, evocam para todos que compartilham o mesmo
ambiente que eles o contato com sua criança interior: pura, amorosa, leve,
despreocupada e alegre.
Salve Cosme e Damião! Saravá Erês! Evoé Ibêgis!
- por Diego Silva
Vejamos o que diz o médium e escritor Rubens Saraceni sobre
esta Linha de Trabalhos da Umbanda e o arquétipo das crianças, bem como dos espíritos
que se manifestam nessa forma, como complemento ao que aqui foi dito.
“A linha das crianças, cujos membros baixam nos centros de
Umbanda, é de todas a mais misteriosa.
Esses espíritos infantis nos surpreendem pela ternura, inocência,
argúcia, carinho e amor que vibram quando baixam em seus médiuns.
O arquétipo não foi fornecido pelo lado material da vida,
pois uma criança com seus 7, 8 ou 9 anos de idade, por mais inteligente que
seja, não está apta intelectualmente a orientar adultos atormentados por
profundos desequilíbrios no espírito ou na vida material. Quem forneceu o arquétipo foram os seres que denominamos “encantados da natureza”.
Não foi baseado em espíritos de crianças que desencarnaram
que essa linha foi fundamentada, e sim nas crianças encantadas da natureza, que
os acolhem em seus vastos reinos na natureza em seu lado espiritual e os amparam
até que cresçam e alcancem um novo estágio evolutivo, já como espíritos
naturais.
Os espíritos que se manifestam na linha das crianças
atendem pessoas e auxiliam-nas com seus passes, seus benzimentos e suas magias
elementais, tudo isso feito com alegria e simplicidade enquanto brincam com
seus carrinhos, apitos, bonecas e outros brinquedos bem caracterizadores do seu
arquétipo. Ele é tão forte que adultos
encarnados sisudos se transfiguram e se tornam irreconhecíveis quando incorporam
sua criança.
A presença desses espíritos infantis é tão marcante que
mudam o ambiente em pouco tempo, descontraindo todos os que estiverem à volta
deles. Todo arquétipo só é verdadeiro se
for fundamentado em algo pré-existente. O arquétipo “Caboclo” fundamentou-se no
índio brasileiro e no sertanejo mestiço. O arquétipo “Preto-Velho” fundamentou-se
no negro já ancião, rezador, mandingueiro e curador. O arquétipo “Criança” fundamentou-se na
inocência, na franqueza e na ingenuidade dos seres encantados ainda na primeira
idade: a infantil.
E, caso não saibam, há dimensões inteiras habitadas só por
espíritos nesse estagio evolutivo conhecido, no lado oculto da vida, como
“estágio encantado . Nessas dimensões da vida há eles e suas mães encantadas,
todas elas devotadas à educação moral, consciencial e emocional, contendo seus
excessos e direcionando-os à senda evolucionista natural, pois eles não serão
enviados à dimensão humana para encarnarem.
A elas compete supri-los com o indispensável para que não entrem em depressão
e caiam no autismo ou regressão emocional, muito comum nessas dimensões.
Nelas há reinos encantados muito mais belos do que os
“contos de fadas” do imaginário popular foi capaz de descrever ou criar. Cada reino tem uma senhora, uma mãe encantada
a regê-lo. E há toda uma hierarquia a auxiliá-la na manutenção do equilíbrio
para que os milhares de espíritos infantis sob suas guardas não regridam, e
sim, amadureçam lentamente até que possam ser conduzidos aos estágio evolutivo
posterior.
O arquétipo é forte e poderoso porque por trás dele estão as
mães Orixás, sustentando-o, e também estão os pais Orixás, guardando-o e zelando
pela integridade desses espíritos infantis.
A literatura existente sobre esse estágio se restringe a
alguns livros de nossa autoria que abordam o estágio encantado da evolução dos
espíritos.
Mas que ninguém duvide da existência dele porque ele
realmente existe e não seriam “crianças” humanas recém-desencarnadas e que nada
sabiam da magia que iriam realizar os prodígios que os “Erês” realizam em
benefício dos freqüentadores das suas sessões de trabalhos ou com forças da
natureza quando oferendados em jardins, à beira-mar, nas cachoeiras ou em
bosques frutíferos.
Há algo muito forte por trás do arquétipo e esse algo são os
Orixás encantados, os regentes da evolução dos espíritos ainda na “primeira
idade”.
Para conhecerem melhor o estágio encantado da evolução,
recomendamos a leitura do livro de nossa autoria A Evolução dos Espíritos,
editado pela Madras.”
Texto extraído do livro “Os Arquétipos da Umbanda”, Editora
Madras
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